Na figura o quadro "O Caçador" de Fernando Botero. 2017.
Chego no supermercado às quatro da manhã. Cansado do trabalho que havia terminado. Serviço pesado. Isolamento acústico de portas. Faltava mamão, banana, shampoo e queijo em casa. Acordar sem queijo e um café preto é a morte. Ninguém nos corredores todos arrumados para a clientela matutina. Frutas e legumes repostos e bonitos. Indo para o caixa vejo à minha frente, num andar pachorrento, um gordinho de calças de malha azul claro e tênis marrons. Parecia uma figura de Botero. Lembrei do quadro "O Caçador". O homem, ao invés da espingarda e do coelho, tinha nas mãos uma garrafa de Coca-Cola de meio litro e dois pacotes de hambúrguer pronto Sadia. Era a caça do dia, ou melhor, da madrugada. A camisa azul com logotipo amarelo e o crachá, pendurado em um pescoço quase inexistente, denunciavam que o homem trabalhava em um banco ao lado do mercado. Um centro de tecnologia da informação. Devia pesar uns cento e quarenta quilos fácil. /os pés arqueados para dentro forçando o calçado já bem deformado. Me lembrei dos meus dias de mais de cem. E que hoje, aos setenta e cinco, me parecem distantes e inimagináveis. Equilibrados precariamente em minhas mãos esquecidas de um cesto ou carrinho, estavam um mamão, quatro bananas, o queijo gouda e uma garrafa de tinto. Não é tão difícil assim fazer dieta. É questão de urgência e escolha. e muita força de vontade. No estacionamento vi que ele caminhava para o carro. Nem precisava, pois o trabalho fica ao lado. Fiquei imaginando ele sentado em sua mesa, às voltas com os bits e bites, seus dois sanduíches requentados no microondas e o meio litro de refrigerante. Haja saúde!