segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A hipocrisia do olhar e a má educação

Vitrine na janela de um açougue de bairro com faisões pendurados do lado de fora. Foto: Alamy/The Guardian


Eu temo que estejamos indo longe demais com nosso direito de proteção aos nossos egos e sentimentos. Na educação dos filhos isso está chegando às raias do absurdo. Na Inglaterra, um açougue foi proibido de expor as carcaças de faisões na vitrine da loja porque um pai disse que se sentiu ultrajada ao ter que cobrir os olhos de seu filho para que ele não visse a cena. Irritado ele lançou uma petição angariando assinaturas de outros moradores do bairro e a justiça acabou dando ganho à causa. Detalhe: exibir as carcaças de aves e outros bichos é uma tradição secular dos açougueiros britânicos. Não há lei que proíba a prática. Em outras comunidades, os açougues não são incomodados, dizendo seus donos que a prática ajuda a vender melhor os produtos.


Agora fica a pergunta: Será que não estamos extrapolando a proteção a nossos filhos. Eu tenho visto com muita preocupação o resultado dos últimos vinte anos de um tipo de educação que teima em tratar crianças como bebês e jovens adolescentes como crianças. Pais que não tem coragem de dizer não aos filhos por culpa ou falta de parâmetros morais. Vejo jovens adultos infantilizados e incapazes de lidar com frustrações e negativas. São homens e mulheres que, aos trinta, acham normal ainda dependerem material, emocional e financeiramente dos pais que, com o aumento do custo de vida e as sucessivas crises globais, tem que trabalhar mais, quando poderiam se aposentar, para bancar caprichos de crianças-adulto tiranas e sem senso de responsabilidade.

O que espera o pai que iniciou a campanha contra o açougue? Que ele possa enganar seus filhos a vida toda para que pensem que o Pai Noel entra pela chaminé e os filés de frango do supermercado são colhidos em árvores? Se queremos que essas crianças no futuro pensem outro caminho para um consumo consciente de alimentos, não será enganando-as com bandejas higienizadas de pedaços de carne, em prateleiras estéreis de supermercado, que lhes mostraremos a crueldade (no ponto de vista de alguns) com que tratamos os animais que alimentam a espécie humana. 

Diz a história do budismo que Sidharta Gautama - o Buda - começou a buscar o caminho da iluminação ao descobrir que seu pai, o soberano de um reino muito rico, fazia com que todos os empregados e o povo que frequentava o palácio onde ele vivia prisioneiro, representassem um conto de fadas. Um dia, ao fugir do palácio e ver a miséria e as mazelas do seus súditos, teria fugido para a floresta e depois de meses sentado sobre uma árvore, teria atingido a Iluminação. Mas eu duvido que vá acontecer o mesmo aos nossos jovens. Estes, quando vêm que seus desejos e sonhos infantilizados não tem lugar no mundo real, não conseguem lidar com essa frustração. Ou entram em crise, ou cedem as drogas e a bebida e, em casos extremos, mas a cada dia mais frequentes, até matam os pais por vingança ou ganância. Não estamos criando budas.

Fevereiro/2014



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