“Você conhece, o pedreiro Waldemar? Não conhece? Mas eu vou
lhe apresentar: de madrugada toma o trem da Circular. Faz tanta casa e não tem
casa pra morar”
Assim começavam os primeiros versos de uma marchinha de
carnaval, que foi sucesso em 1949, na voz de uma cantor chamado Otávio Henrique
de Oliveira. Hoje tão desconhecido, que mesmo o apelido curioso não vai ajudar
muito: Blecaute. Pois é, a canção que foi sucesso em muitos carnavais, com
autoria de Jorge Martins e Wilson Batista, contava as agruras do homem pobre
que lutava para sobreviver enquanto gerava riquezas para o patrão.
Embora o abismo social e a discriminação continuem tão
presentes hoje quanto naquele carnaval de quarenta e nove, o pedreiro Valdemar
já tem casa pra morar. Embora os fundamentos do problema, que levavam o
operário a não poder morar em casa própria no meio do século passado, ainda
persistam, eles se apresentam hoje camuflados com uma pretensa melhoria da
mobilidade social. A propaganda oficial, que leva às alturas os méritos dos
programas de distribuição de renda, fazem um bom trabalho. Pelo menos aos menos
esclarecidos.
Se a situação melhorou para o Valdemar, o problema agora é
com o Jorge. Qual Jorge? Qualquer um.
Poderia ser João, Pedro, Lucas, Marcos, só para ficarmos nos nomes bíblicos.
Mas falando em santo, está se descobrindo um para tapar, de qualquer jeito, o
outro. O Jorge representa aqui o brasileiro que hoje é chamado de classe média.
Embora esteja longe de ser. É o cara que passou a frequentar o caldeirão das
almas, que devem ser cosidas lentamente no tempero do discurso socialista da
América Latina. Junto com os realmente ricos, ele passou a ser também apontado
como causador das mazelas nacionais. Onde será necessário acabar com toda a
diferença de classes para finalmente termos um país de miseráveis remediados.