sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Amar, verbo intransitivo?

Fernanda Gentil (Foto: Reprodução/Instagram)

A jornalista Fernanda Gentil declarou em entrevista ao jornal “O Globo”: “Estou só exercendo meu direito de ser muito, muito feliz”, ao revelar publicamente um novo relacionamento com a jornalista Priscila Montandon, que teria se iniciado em julho de 2016. Ela e o empresário Matheus Braga tiveram um relacionamento de quinze anos do qual tiveram um filho. A separação ocorreu em abril desse ano. Em abril ainda, o empresário foi visto em uma festa beijando uma mulher desconhecida.

Não meu caro leitor. Essa não será uma crônica com viés machista – coisa que não sou – e nem para comentar a opção de gênero feita por Fernanda no novo relacionamento. Afinal, é coisa corriqueira, nos dias de hoje, s acabarem os relacionamentos. Também, graças ao bom senso, as opções de gênero, em sua pluralidade e direito de escolha, já estão recebendo o respeito que merecem. Exercício da liberdade de sermos humanos e únicos em nossos gostos e desejos.

Hoje eu quero falar do Amor
e do amar. Amar, verbo transitivo. Mario de Andrade criou, quando publicou o livro “Amar, verbo intransitivo”, em pleno Modernismo, uma contradição à norma culta gramatical. Amar sendo um verbo que requer complemento, é transitivo direto. Amor é substantivo. Mas inevitável será, ao falar sobre o tema, se referir a um amar hoje tão banalizado, que se assemelha mais a um verbo intransitivo. Aquele com significado tão completo, que torna desnecessária a junção de objeto direto ou indireto.

Amar que nesses tempos se tornou intransitivo e sem objeto. Um neologismo, como queiram os linguistas. Um verbete popular nas redes sociais. Basta uma foto, um post inspirador e lá vem alguém comentar com um “Amo! ”.  Coisa abstrata. Que hoje pode ser, mas amanhã talvez não. Volátil como os gostos e os desejos. Um modismo cada vez mais aplicado aos relacionamentos. Sejam amizades ou romances. Mas amar requer sempre um sujeito. Que necessita de um complemento: o Outro. Seja esse metafórico mas preferencialmente em carne e osso.

Amar é definitivo. É conclusivo. Ou é ou não é. Não existe meio termo. Não se tem um meio amor. Surge geralmente como conclusão racional entre seres humanos e - suspeito eu - até entre os bichos, de algo que começa com paixão; o mais irracional dos sentimentos. A paixão é o oposto do ódio. Não o amor como muitos pensam. Apaixonamos e odiamos com a mesma intensidade. As duas coisas passam com o tempo. Ou com a volta da razão. O amor, ao contrário se nutre dessa mesma razão e sobrevive ao tempo.  Coisa definitiva. Ou não é amor.

Na tradição das religiões o casamento, não apenas o mero ritual, é tratado como algo eterno e indissolúvel. Não a instituição, que cada vez mais vai à banca rota. Mas o ato confessado por duas criaturas que, conscientes do amor que nutrem um pelo outro, desejam se unir em comunhão. O amar verdadeiro, transitivo direto, não tem fim. E tem endereço certo e sabido. Muitos poetas se referem a ele como armadilha ou precipício. Porque é isso mesmo. No primeiro você entra e não consegue mais sair. Do segundo se atira e não tem volta. Mas sem fatalismos, posto que o amor não é fim nem sina. Amor verdadeiro é destino. É caminho e caminhantes ao mesmo tempo. Não tem pressa de partir nem tempo de chegar. Não vai e não fica. Está.

Quem não amou verdadeiramente está preso, mesmo não estando em um relacionamento, perdido no labirinto da procura. Se achava que amava mas deixou o outro ir ou partiu, amor não era. Ao desistir na primeira curva, derrapou e saiu da estrada. Amor requer resiliência, compaixão, amizade e paciência. Requer principalmente que você entenda seus sofrimentos e os perdoe. Para perdoar também ao outro. Amar não significa estar liberto do sofrimento. Sofrer faz parte da natureza do Não Despertado. Já enunciavam os budistas há milênios. Como também se referiram ao Amor como o caminho para se libertar do sofrimento.

Hoje se ama e desama com a facilidade de trocar a música tocando no celular. Dançamos feio. Mas mudamos o ritmo do sonho de valsa ao lundu. Passando por todos os pares do salão. E continuamos não acertando o passo. Nessa “Noite dos Desesperados” (aproveita e assiste ao filme), dançamos uma vida inteira em busca do premio irrisório. Ninguém quer ficar fora da pista e tão pouco perder o par. E amar é saber dançar. Observar os passos, o ritmo e os dançarinos. Com tempo, encostado em um canto do bar tomando um drinque, enquanto se estuda a situação. Não se escolhe um par e vai à pista para, na primeira pisada, reclamar do parceiro largando-o no meio do salão.

Se você estava com alguém nos dez, quinze ou vinte anos, se tanto, não dá para trocar de par e sair rodopiando no salão. Com o copo na mão e o olhar languido, já agarrando o primeiro que passar. Não dá para ligar o foda-se simplesmente e dizer que o amor acabou. Sinto muito, mas você passou esse tempo todo enganando a dois. O amor não estava ali. Não dá para correr para os braços de outro ou ir para casa. Correndo sozinha pela rua com os sapatos na mão. Dividir os filhos ou abandoná-los com avó ou sogra. Não dá para doar o gato e matar o papagaio. Coitado, sempre o papagaio. Por isso virou anedota. Não dá para desistir dos sonhos e dos construtos de uma vida inteira e ir para o cume do Everest meditar. Podem até lhe aceitar no mosreiro, mas não vai encontrar nada lá.

Sim, acredito que as pessoas possam se enganar ou se iludir. Mas volto a repetir: não era amor. E não vai adiantar seguir na dança das cadeiras porque, no final, você vai sentar no colo de alguém e a última vai quebrar. E mesmo assim você perdeu. Olha, se está desconfortável, mas você gosta do parceiro e da música, tira os sapatos. Vai lá fora com ele tomar um ar. Olhar a Lua. Aproveita passa antes no bar e pede um drink gelado. Depois, lá fora, na brisa fresca da madrugada, faça como na cena do filme: da um suspiro, encosta o copo gelado na testa, abraça o amor e diz pra ele, com aquele olhar apaixonado: vamos pra casa? Eu prometo que vou fazer uma dança especial só pra você...


(Caro leitor, prometo trocar a imagem e o texto introdutório depois da noticia esfriar. Ainda não tenho uma foto autoral pra colocar no  lugar)

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