quinta-feira, 21 de maio de 2020

O sentido de existir


Descrição: Profissional de saúde segura bebê após vacinação. Proibida a reprodução.


O escritor português Valter Hugo Mãe disse certa vez que é o desejo de construção que impulsiona nossa vontade de viver e que todo o reto seria desperdício de tempo e vida. Existir é ser impulsionado a buscar permanentemente soluções para problemas que não apenas nos atingem diretamente mas, sobretudo – pelo menos para alguns – criar soluções para desafios reais ou,  porque não, ainda nem presentes no cotidiano da existência coletiva. Para além disso, penso que estar presente de corpo e alma no fluxo da aventura humana, seja principalmente se importar com o sofrimento do outro. Vivemos até agora, antes dessa catástrofe causada pelo Covid, gravitando e nos importando apenas com nossos umbigos. Muitas vezes desperdiçando nosso tempo com problemas inexistentes, criados por nossa tendência a nos deixarmos  levar por medos irracionais ou fantasias de nossa imaginação.

Penso, claro, com imensa tristeza, nas milhares de existências ceifadas por essa pandemia. Cruzo com vizinhos que me olham com medo se tusso uma ou duas vezes no hall do elevador. E mesmo, vejo alguns que desistem de pegar o mesmo elevador. Para além de todas as orientações de saúde pública – e talvez seja mesmo prudente tentar embarcar no elevador sozinho – vejo que o medo assume proporções para além disso. Muito embora entrar em um elevador sozinho não signifique que se vá saltar dele sem companhia. A vida é assim, nunca sabemos quem vai entrar no próximo pavimento. E cada vez que a porta se abre vamos encarar o desconhecido. Mesmo em nossas moradias onde deveríamos, pelo menos em teoria, conhecer todos os nossos vizinhos.

O que me leva a pensar nos milhares de profissionais de saúde, segurança pública e demais atividades essenciais que perderam suas vidas tentando fazer exatamente isso: se importar com o sofrimento do outro e tentar solucionar problemas reais e imediatos que ameaçam toda a população  mundial. Penso nas tantas vezes que estive em hospitais e reclamei da demora no atendimento, nos rostos desanimados – ou que me pareciam indiferentes – dos profissionais que por ali circulavam. Me esquecia – ou melhor – nem sabia do que estava por vir. Não achava provável, para além dos filmes de ficção científica que veria, em minha existência, problema semelhante ao atual.

Os rostos cansados, a falta de paciência de alguns profissionais me remetia apenas à minha dor do momento. Que queria ver sanada de maneira exata e com brevidade. Não prestava a atenção que aquelas pessoas lidavam diariamente com problemas reais de saúde – muitos até que matavam e ainda matam mais que o próprio Covid, porém de maneira mais lenta e portanto, não tão perceptível e alarmante. Dramas diários que essas equipes enfrentavam, fossem pelas mortes inexplicáveis ou brutais, pela falta de equipamentos ou recursos, pelo descaso das autoridades públicas de saúde. E perder um paciente, ver o sofrimento do outro, não importa se em hospitais particulares com estrutura adequada, ou em hospitais de campanha em uma guerra tem o mesmo impacto psicológico para quem cuida da vida. E se importa com a existência do outro.

Mas, como na imagem que ilustra esse artigo, cedida gentilmente por uma amiga, profissional de saúde preventiva, que aparece na foto feliz ao vacinar uma criança, vejo um fio de esperança. E torço para que em breve a ciência ache a cura ou a vacina que faça estancar essa tragédia. E que essa criança, já protegida por soluções encontradas por médicos e cientistas que viveram suas existências pensando no bem comum, tenha uma vida longa, feliz e saudável – assim como a técnica de enfermagem que a vacinou. Ainda nos resta a esperança. E hoje, ela está depositada nas mão que seguram com acolhimento e coragem esse bebê.

Para a Silvia e todos os profissionais que nesse momento nos acolhem arriscando suas próprias existências.

Marcelo Ruiz

Brasília, 22/05/2020.

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