A reabertura e os velhos hábitos
Em Brasília,
onde moro, quase todas as atividades econômicas de prestação de serviços estão
reabertas. Se era o caso de reabrir tão cedo ou não, não será a pauta desse
artigo. Particularmente não concordo. Cedo demais em virtude das altas taxas de
pessoas infectadas ou se infectando, transmissão alta e mortes ainda em ascensão.
Hospitais quase ou já saturados. Falta de testagem ampla e acessível.
Mas já que
permitiram reabrir, vou tomar como exemplo os restaurantes. Foram emitidas
normas pelas autoridades de saúde. Provavelmente uma boa parte desses
estabelecimentos está seguindo. Mas esqueceram um fator crucial: o
comportamento dos frequentadores. Não o comportamento determinado pela
Vigilância Sanitária, mas o comportamento social que, seja pela falta de
informação ou mero hábito, coloca em risco torna menos efetivas as regras estabelecidas.
A realidade
é que as pessoas ainda não tiveram tempo ou discernimento de mudarem seus
hábitos. Hábitos e costumes são comportamentos sociais. Alguns deles aprendidos
e internalizados desde a infância. Sejam bons ou ruins. E é muito difícil mudar
comportamentos. Vejamos então o exemplo que se segue.
Entro em um
restaurante, onde fazia minhas refeições habitualmente e, após a reabertura
parcial, para comprar a comida no balcão elevar para casa, ou pedir por um
entregador, não me sento à mesa. Como disse, apesar de poder fazer isso agora,
por conta de um decreto, ainda acho temerário. Não por achar que esse
estabelecimento não está seguindo as recomendações, mas por convicção que não
está certo. As razões já citei mais acima.
Pois bem. Enquanto
aguardo minha comida ser embalada, vejo em uma mesa um casal. Parecem ser
colegas de trabalho. Estão almoçando e conversando. O distanciamento das mesas
está correto. Retiraram mais da metade. O álcool em gel e as toalhas
descartáveis estão presentes. Os garçons, devidamente paramentados. O ambiente
não é fechado e há boa circulação de ar. As pessoas entram de máscara, usam o
desinfetante nas mãos e sentam-se.
No momento
em que a comida chega à mesa, abaixam suas máscaras. Obvio. Aí começa o erro e
o risco do comportamento vigente. Provavelmente por força do hábito, sentam em
uma mesa de quatro lugares, um de frente para o outro. Fico imaginando, em um
cenário bem factível, que entre as garfadas de comida, risos e a conversa em
tom ligeiramente alto, os vírus (de todos os tipos, sendo lançados nos rostos,
pratos e superfícies um do outro).
Vou mais
além e imagino que, sendo colegas de trabalho, estão usando máscaras e
desinfetante para as mãos em seu local de trabalho, onde algumas medidas de
prevenção devem ter sido tomadas. Mas quem pode garantir, que um dos dois, ou
mesmo ambos, não sejam infectados assintomáticos? A garantia de ser seu colega
próximo de trabalho, estar aparentando boa saúde não garante nada.
Pensando no
pior, como forma de ser precavido, fico imaginando que um dos dois esteja contaminado.
Não cheguei a ver os dois saindo do estabelecimento. Minha marmita para viajem
saiu antes. Mas provavelmente terminaram seu almoço, a conversa a meio metro de
distancia, pagaram a conta, limparam suas mãos mais uma vez, colocaram as
máscaras e voltaram para a empresa. Provavelmente achando que tomaram todos os
cuidados e talvez até elogiando o estabelecimento pelo cumprimento das normas.
Se o pior
acontecer, daqui a uns dias os dois ou um deles começar a sentir os sintomas da
doença e ficara imaginando como, se tomaram as devidas precauções no ambiente
de trabalho, em casa e na rua, puderam ser contaminados. Talvez até desconfiem
e se arrependam de terem ido tão cedo a um lugar público. E esse caso, se
repetido em muitas outras pessoas, levará certamente a um novo fechamento de
locais como esse restaurante.
Na minha
preocupação, cheguei a comentar o fato com a dona do restaurante. Notei que
para ela, meu comentário fez sentido. Talvez tenha faltado uma medida simples.
Que tem sido aconselhada pelas autoridades de saúde: o distanciamento. Fico imaginando
que se o casal tivesse apenas se sentado lado a lado, na mesma mesa e evitado
conversar durante a refeição, os riscos de uma contaminação entre os dois seria
bastante reduzido, já que não estariam sem as máscaras, um de frete para o
outro.
Talvez tenha
faltado um pouco mais de orientação na reabertura, como por exemplo, a
determinação que em bares e restaurantes os garçons determinassem que os
clientes não ocupassem lugares a mesma mesa, sentando-se de frente uns dos
outros. Talvez falte nas pessoas cair a ficha que o “novo normal”, deve ser
internalizado com atenção a todo pequeno detalhe que faça a diferença. Hábitos,
mesmo que arraigados em nossa personalidade, podem e devem ser mudados quando
necessário ou conveniente. Mas é preciso sair do quadrado de se achar que tudo
voltará a ser como antes.
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