Lefse Sløttsstèk é um jornalista norueguês que vive no
Brasil há três anos. Correspondente de um periódico de Oslo, capital da
Noruega. Logo pela manhã sou acordado pelo seu telefonema. Não fosse o nome na
tela do meu celular, o sotaque inconfundível já me avisava quem ligava tão
cedo. Lefse fala razoavelmente nosso idioma, embora ainda se confunda com os
neologismos e gírias. Sempre me pede ajuda. Mas a dúvida de Lese hoje era sobre
o nefasto acidente ocorrido na Colômbia.
Bem informado, com fontes confiáveis,
já sabia a mutretajem (termo que já aprendeu) do piloto-sócio, que morreu por
economizar uns dólares de combustível. Mas o que o incomodava mesmo era
entender o porquê da escolha de uma obscura companhia aérea colombiana, que
tinha sede na Bolívia, para realizar o voo. Não entendia a inocência do
prefeito da cidade natal do time pagar os mesmos cento e trinta mil dólares por
um voo fretado que custaria o mesmo valor se fosse feito por uma tradicional
companhia aérea brasileira. Segundo ele, a empresa nacional havia oferecido a
viagem no mesmo valor ao prefeito. Este teria gentilmente recusado. Lefse,
acostumado com o alto padrão gerencial dos funcionários públicos de seu país,
não conseguia compreender os cálculos que o alcaide efetuou que o levaram a
confundir que haveria vantagem na empresa vizinha. Além disso, o estava
perturbando o fato do piloto sabedor que sua aeronave não teria autonomia
suficiente para chegar ao destino, optou por arriscar, senão a vida dos
passageiros, a sua própria, não parando para reabastecer como estava previsto.
Pensava já meu amigo jornalista que se tratava do mesmo caso do avião da
Indonésia, onde o piloto planejou o próprio suicídio.
Foram quase trinta minutos de tentativas de explicar a ele
como as coisas funcionavam por aqui. Mesmo já vivendo entre nós há mais de três
anos, ainda não consegue meter na cachola, encoberta por cabelos cor de fogo, como
a banda toca nesses lados. Aliás essa última expressão nunca o conseguir fazer
entender. Sempre acha que estou falando de música. E ainda briga dizendo que
estou sempre mudando de assunto sem avisar. Tenho um pouco de pena das
limitações mentais de meu colega de profissão e já começo a suspeitar que a
educação no país dele não é tão boa quanto a nossa. Mas o fato é que Mr. Sløttsstèk
está quase desistido de viver entre nós. Pensa em voltar ao frio, mesmo
adorando o calor, as praias e a caipirinha de “cashoska”. Até já comprou uma
cabine de bronzeamento artificial, que mantem embalada e pronta para viajar. Só
fica com receio dos vizinhos do pequeno distrito de Horehùs, onde mora, há
menos de vinte minutos de ônibus, da sede do jornal na capital. Tem receio
também dos colegas de trabalho desconfiarem de sua ostentação de riqueza, coisa
até proibida por lei, em seu país. Acha que quando descobrirem a cabine de
bronzeamento que pretende instalar no pequeno quintal de seu apartamento
térreo, a vizinhança vá se sentir constrangida. Pensa em Kljópek, seu vizinho
no andar de cima, que é lixeiro e muito ocupado com seu trabalho. Quase não tem
tempo para viajar. Ou tomar banho de sol. Sua vizinha de frente, Hilda Grønlie,
médica especialista no Real Hospital de Clínicas, costuma pagar sessões
privadas, não terapêuticas, de bronzeamento artificial antes de desfrutar seus
vinte dias de férias anuais em um modesto balneário na Criméia. Certamente ela
também não veria com bons olhos sua cabine.
Enquanto está por aqui, meu amigo Lefse aproveita o salário
ganho em euros para adquirir e usufruir de pequenos luxos. Mas sempre se
preocupa na hora de partir e levar suas traquitanas para casa. Além do pouco
espaço do imóvel e da aversão que tem a ostentações, seria difícil usufruir de
algumas coisas por lá. Dias curtos, muito frio e o trabalho que não é tão
tranquilo quanto aqui. Mas isso eu conto depois.
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