Elize Matsunaga quando ainda era garota de programa (Foto: reprodução) |
Terminado o julgamento, um júri sonolento e cansado, depois
de uma semana enfadonha, composto de quatro mulheres e três homens, condenou a
ré a dezenove anos e onze meses de reclusão pelos crimes de homicídio e
ocultação de cadáver. Pena dura. Muito dura. Fosse ao contrario, o marido
fanfarrão e milionário, talvez tivesse saído pela porta da frente do fórum em
liberdade. Mas não. Elize era mulher. Pior, era uma garota de programa que
resolveu mudar de vida. Nem suas congêneres no júri perdoaram-lhe o
atrevimento. Casamento é lugar para moças de família.
Elize Matunaga era moça de família. Família pobre. Elize foi
esposa e é mãe. Elize era tão moça pra casar quanto qualquer outra. Deu azar de
conhecer o homem errado. A promessa que fez de lhe tirar da vida difícil durou
pouco. No mesmo bordel onde a conheceu sete anos antes, já estava procurando
outra putinha aborteira para brincar de maridão. Por coincidência a nova vítima
foi colega da esposa. Quase vinte anos de reclusão é muito tempo de sentença em
um país onde gente como Marcelo Odebrecht e outros da mesma laia, “matam”
milhões e pegam penas irrisórias e ficam reféns de tornozeleiras eletrônicas
duvidosas.
Mas a quase totalidade dos condenados da Lava à Jato são
homens. Elize era mulher e puta. Talvez tivesse menos horas de cama, mesmo
sendo uma profissional, que muita “menina de família” por aí. Que dão por
esporte ou para financiar pequenos luxos. Mas e daí? Dão o que lhes pertence e ninguém
tem nada com isso. Quem julga esse comportamento está sendo preconceituoso e
misógino. Mesmo com Elize. Essa moça não teve estrutura desde nova. Levada a
acreditar em um sonho, se desesperou qundo viu que seria mais uma. Que voltaria
a ser a outra. Com certeza sabia que o marido não prestava. O fanfarrão era
raparigueiro. E ela, escolada, sabia reconhecer os sinais.
Foi tola com a escolha do local e momento da desforra. E
mais infantil ao tentar dar sumiço ao defunto. Sim. No Brasil transgredir a lei
não é problema. E nem pecado mortal. Que o digam os prevaricadores desse mar de
lama chamado governo empresarial. Crime no Brasil é roubar e não saber
carregar. Vergonha é ser pego com a boca na botija por ser burro ou descuidado.
Geralmente por ostentar demais. O casal Matsunaga ostentava. E como. Gostavam
de caçadas luxuosas e vinhos caros. Aliás se a moça tivesse pensado com mais
calma, um tiro acidental, que mirava um cervo ou outra caça poderia ter
acertado a nuca do fanfarrão. Ops Errei! Ou talvez um vinho exótico da adega
suntuosa pudesse conter mais do que tanino. Que tragédia! Vou à Europa
processar a vinícola...
E convenhamos: ne ce
pas du bom ton desmembrar o marido no quarto de hóspedes. Já que quis
resolver de afogadilho ali mesmo, no antro familiar, o entrevero com o
fanfarrão, certas precauções poderiam ter sido tomadas. Arma limpa de suas
impressões digitais, colocada na mão do falecido. Vídeo gravado pelo detetive
rodando no notebook. Um bilhete na mesa da sala comunicando a saída da casa com
a filha e a indicação do advogado encarregado do divorcio escandaloso e milionário.
Poderia não ser o álibi perfeito, mas lhe daria maiores chances de absolvição.
O erro maior de Matsunaga foi não levar em conta o machismo
e a misoginia que cerca a ela e a toda e qualquer mulher. Seja qual for a opção
de gênero, estado civil, posição social ou carreira profissional. Tivesse ela
atenta a isso e teria saído pela porta da frente da sala de justiça, como já o
fizeram tantos machos, ou recebido pena mais branda. Assassinos como Raul
Fernando do Amaral Street, Farah Jorge Farah, Edgar Nunes Almeida, Antônio
Marcos Pimenta Neves, Guilherme de Pádua, Thiago da Silva Flores, só para citar
casos famosos, estão soltos por já terem cumprido irrisórias penas ou
beneficiados pelas reduções previstas em lei. Mas milhares de outros
agressores, que cometeram crimes muito piores que o de Elize ainda estão soltos
e muitos jamais serão condenados.
Finalmente, não se trata aqui de defender, minimizar, perdoar
ou concordar com o crime que Elize cometeu. Mas ressaltar o preconceito que sofrem
mulheres de todos os gêneros até mesmo quando cometem crimes. E infelizmente
não se pode dizer que existe julgamento justo quando mulheres se sentam nos
tribunais. Sejam vítimas ou autoras de crimes onde o machismo acaba tomando o
lugar central dos fatos. Muito ainda teremos que discutir, denunciar e avançar
na direção da igualdade de gêneros.
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