segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Elize Matsunaga e a misoginia

Elize Matsunaga quando ainda era garota de programa (Foto: reprodução) 



Terminado o julgamento, um júri sonolento e cansado, depois de uma semana enfadonha, composto de quatro mulheres e três homens, condenou a ré a dezenove anos e onze meses de reclusão pelos crimes de homicídio e ocultação de cadáver. Pena dura. Muito dura. Fosse ao contrario, o marido fanfarrão e milionário, talvez tivesse saído pela porta da frente do fórum em liberdade. Mas não. Elize era mulher. Pior, era uma garota de programa que resolveu mudar de vida. Nem suas congêneres no júri perdoaram-lhe o atrevimento. Casamento é lugar para moças de família.

Elize Matunaga era moça de família. Família pobre. Elize foi esposa e é mãe. Elize era tão moça pra casar quanto qualquer outra. Deu azar de conhecer o homem errado. A promessa que fez de lhe tirar da vida difícil durou pouco. No mesmo bordel onde a conheceu sete anos antes, já estava procurando outra putinha aborteira para brincar de maridão. Por coincidência a nova vítima foi colega da esposa. Quase vinte anos de reclusão é muito tempo de sentença em um país onde gente como Marcelo Odebrecht e outros da mesma laia, “matam” milhões e pegam penas irrisórias e ficam reféns de tornozeleiras eletrônicas duvidosas.


Mas a quase totalidade dos condenados da Lava à Jato são homens. Elize era mulher e puta. Talvez tivesse menos horas de cama, mesmo sendo uma profissional, que muita “menina de família” por aí. Que dão por esporte ou para financiar pequenos luxos. Mas e daí? Dão o que lhes pertence e ninguém tem nada com isso. Quem julga esse comportamento está sendo preconceituoso e misógino. Mesmo com Elize. Essa moça não teve estrutura desde nova. Levada a acreditar em um sonho, se desesperou qundo viu que seria mais uma. Que voltaria a ser a outra. Com certeza sabia que o marido não prestava. O fanfarrão era raparigueiro. E ela, escolada, sabia reconhecer os sinais.

Foi tola com a escolha do local e momento da desforra. E mais infantil ao tentar dar sumiço ao defunto. Sim. No Brasil transgredir a lei não é problema. E nem pecado mortal. Que o digam os prevaricadores desse mar de lama chamado governo empresarial. Crime no Brasil é roubar e não saber carregar. Vergonha é ser pego com a boca na botija por ser burro ou descuidado. Geralmente por ostentar demais. O casal Matsunaga ostentava. E como. Gostavam de caçadas luxuosas e vinhos caros. Aliás se a moça tivesse pensado com mais calma, um tiro acidental, que mirava um cervo ou outra caça poderia ter acertado a nuca do fanfarrão. Ops Errei! Ou talvez um vinho exótico da adega suntuosa pudesse conter mais do que tanino. Que tragédia! Vou à Europa processar a vinícola...

E convenhamos: ne ce pas du bom ton desmembrar o marido no quarto de hóspedes. Já que quis resolver de afogadilho ali mesmo, no antro familiar, o entrevero com o fanfarrão, certas precauções poderiam ter sido tomadas. Arma limpa de suas impressões digitais, colocada na mão do falecido. Vídeo gravado pelo detetive rodando no notebook. Um bilhete na mesa da sala comunicando a saída da casa com a filha e a indicação do advogado encarregado do divorcio escandaloso e milionário. Poderia não ser o álibi perfeito, mas lhe daria maiores chances de absolvição.

O erro maior de Matsunaga foi não levar em conta o machismo e a misoginia que cerca a ela e a toda e qualquer mulher. Seja qual for a opção de gênero, estado civil, posição social ou carreira profissional. Tivesse ela atenta a isso e teria saído pela porta da frente da sala de justiça, como já o fizeram tantos machos, ou recebido pena mais branda. Assassinos como Raul Fernando do Amaral Street, Farah Jorge Farah, Edgar Nunes Almeida, Antônio Marcos Pimenta Neves, Guilherme de Pádua, Thiago da Silva Flores, só para citar casos famosos, estão soltos por já terem cumprido irrisórias penas ou beneficiados pelas reduções previstas em lei. Mas milhares de outros agressores, que cometeram crimes muito piores que o de Elize ainda estão soltos e muitos jamais serão condenados.


Finalmente, não se trata aqui de defender, minimizar, perdoar ou concordar com o crime que Elize cometeu. Mas ressaltar o preconceito que sofrem mulheres de todos os gêneros até mesmo quando cometem crimes. E infelizmente não se pode dizer que existe julgamento justo quando mulheres se sentam nos tribunais. Sejam vítimas ou autoras de crimes onde o machismo acaba tomando o lugar central dos fatos. Muito ainda teremos que discutir, denunciar e avançar na direção da igualdade de gêneros.

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