quinta-feira, 4 de março de 2021

Quando o leitão come o fazendeiro...

 


Mal abro o jornal pela manhã e me deparo com a matéria num canto da primeira página: O presidente descontraído que convidou um parlamentar a preparar um “almoço temático” – seja lá o que isso sifgnifique em palácio – cujo prato principal era um leitão. A matéria não deu mais detalhes de como a iguaria foi preparada. Mas descreveu o estado de animo do governante e os pratos secundários. Enquanto se regalavam com o banquete, do lado de fora, mais 1800 brasileiros perdiam suas vidas.  

Ainda segundo o noticioso, o presidente estava “alegre e bem descontraído” como o descreveu o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) “que foi convidado a preparar um leitão para almoço temático informal”. Consta ainda na matéria, que o deputado “também preparou linguiça, feijão tropeiro e carne moída com quiabo para o banquete”. Infelizmente também não constava na matéria a lista de bebidas. Fosse meu o porco, eu teria servido um Jerez. Mas gostos são gostos. Ou desgostos.



Falando de porcos e humanos, especialmente quando esses últimos resolvem matar os primeiros, me veio à cabeça um trecho do livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwell, escrito em 1944, onde o autor discorre sobre uma revolta dos animais de uma fazenda, cansados de serem explorados e maltratados pelo fazendeiro Sr. Jones. No final do conto, os animais, tendo adquirido as qualidades humanas que tanto detestavam, acabam criando uma sociedade com privilégios, onde os porcos, considerados mais inteligentes, se julgavam merecedores de tratamento especial. Cito um trecho a seguir:

“Camaradas! – gritou. – Não imaginais, suponho, que nós, os porcos, fazemos isso por espírito de egoísmo e privilégio. Muitos de nós até nem gostamos de leite e de maçã. Eu, por exemplo, não gosto. Nosso único objetivo ao ingerir essas coisas é preservar nossa saúde. O leite e a maçã (está provado pela Ciência, camaradas) contêm substâncias absolutamente necessárias à saúde dos porcos. Nós, os porcos, somos trabalhadores intelectuais. A organização e a direção desta granja repousam sobre nós. Dia e noite velamos por vosso bem-estar. É por vossa causa que bebemos aquele leite e comemos aquelas maçãs. Sabeis o que sucederia se os porcos falhassem em sua missão? Jones voltaria! Jones voltaria! Com toda certeza, camaradas – gritou Garganta, quase suplicante, dando pulinhos de um lado para outro e sacudindo o rabicho – com toda certeza, não há dentre vós quem queira a volta de Jones.”

Semelhança tão obvia com o que se passa em muitas sociedades e países, não é mera coincidência, já que o livro foi escrito por Orwell como critica a era estalinista na extinta União Soviética. Desde a criação dos primeiros grupos sociais humanos organizados em comunidades, comida, poder e controle andaram sempre juntos, servindo como forma eficiente de dominação e subserviência. A comida, fosse a tempos de fartura ou escassez, sempre motivou guerras, invasões ou rebeliões.



De tempos em tempos, cabeças coroadas as perderam por conta de fome ou guerras. Costuma-se dizer que por conta de um brioche Maria Antonieta foi decapitada na Revolução Francesa. Embora seja mais provável que a frase “Se não há pão, que comam brioches” tenha sido atribuída a ela nos autos de acusação, mas retirada de um trecho do livro “Confissões” do filósofo Jean-Jacques Rousseau, escritor de sucesso na época da revolução.

Fico imaginando uma paródia ao mesmo fato onde um rei ignorante, insensível as mazelas do povo, dissesse “Ora, se não há leitões que comam picanha!” da sacada do palácio onde em baixo uma multidão furiosa e faminta, com as cabeças de alguns soldados e um marquês espetadas em ancinhos e foices, iniciasse uma revolução. Talvez o rei não acabasse na guilhotina junto com a mulher e outros nobres. Mas certamente teria o destino do fazendeiro Sr. Jones, que depois de pisoteado pelos bichos rebelados, fugiria pela porteira da fazenda para nunca mais voltar. Mas o final só seria feliz, ao contrario do conto de Orwell, se os porcos não se tornassem mais humanos que os humanos.   

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