Mal abro o jornal pela manhã e me deparo com a matéria
num canto da primeira página: O presidente descontraído que convidou um
parlamentar a preparar um “almoço temático” – seja lá o que isso sifgnifique em
palácio – cujo prato principal era um leitão. A matéria não deu mais detalhes
de como a iguaria foi preparada. Mas descreveu o estado de animo do governante
e os pratos secundários. Enquanto se regalavam com o banquete, do lado de fora,
mais 1800 brasileiros perdiam suas vidas.
Ainda segundo o noticioso, o presidente estava “alegre e bem descontraído” como o descreveu o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) “que foi convidado a preparar um leitão para almoço temático informal”. Consta ainda na matéria, que o deputado “também preparou linguiça, feijão tropeiro e carne moída com quiabo para o banquete”. Infelizmente também não constava na matéria a lista de bebidas. Fosse meu o porco, eu teria servido um Jerez. Mas gostos são gostos. Ou desgostos.
Falando de porcos e humanos, especialmente
quando esses últimos resolvem matar os primeiros, me veio à cabeça um trecho do
livro “A Revolução dos Bichos” de George Orwell, escrito em 1944, onde o autor
discorre sobre uma revolta dos animais de uma fazenda, cansados de serem
explorados e maltratados pelo fazendeiro Sr. Jones. No final do conto, os
animais, tendo adquirido as qualidades humanas que tanto detestavam, acabam
criando uma sociedade com privilégios, onde os porcos, considerados mais
inteligentes, se julgavam merecedores de tratamento especial. Cito um trecho a
seguir:
“Camaradas! – gritou. – Não imaginais, suponho, que nós, os porcos,
fazemos isso por espírito de egoísmo e privilégio. Muitos de nós até nem
gostamos de leite e de maçã. Eu, por exemplo, não gosto. Nosso único objetivo
ao ingerir essas coisas é preservar nossa saúde. O leite e a maçã (está provado
pela Ciência, camaradas) contêm substâncias absolutamente necessárias à saúde
dos porcos. Nós, os porcos, somos trabalhadores intelectuais. A organização e a
direção desta granja repousam sobre nós. Dia e noite velamos por vosso
bem-estar. É por vossa causa que bebemos aquele leite e comemos aquelas maçãs.
Sabeis o que sucederia se os porcos falhassem em sua missão? Jones voltaria!
Jones voltaria! Com toda certeza, camaradas – gritou Garganta, quase
suplicante, dando pulinhos de um lado para outro e sacudindo o rabicho – com
toda certeza, não há dentre vós quem queira a volta de Jones.”
Semelhança tão obvia com o que se
passa em muitas sociedades e países, não é mera coincidência, já que o livro
foi escrito por Orwell como critica a era estalinista na extinta União
Soviética. Desde a criação dos primeiros grupos sociais humanos organizados em
comunidades, comida, poder e controle andaram sempre juntos, servindo como
forma eficiente de dominação e subserviência. A comida, fosse a tempos de
fartura ou escassez, sempre motivou guerras, invasões ou rebeliões.
De tempos em tempos, cabeças
coroadas as perderam por conta de fome ou guerras. Costuma-se dizer que por
conta de um brioche Maria Antonieta foi decapitada na Revolução Francesa. Embora
seja mais provável que a frase “Se não há
pão, que comam brioches” tenha sido atribuída a ela nos autos de acusação,
mas retirada de um trecho do livro “Confissões” do filósofo Jean-Jacques Rousseau,
escritor de sucesso na época da revolução.
Fico imaginando uma paródia ao
mesmo fato onde um rei ignorante, insensível as mazelas do povo, dissesse “Ora,
se não há leitões que comam picanha!” da sacada do palácio onde em baixo uma
multidão furiosa e faminta, com as cabeças de alguns soldados e um marquês
espetadas em ancinhos e foices, iniciasse uma revolução. Talvez o rei não
acabasse na guilhotina junto com a mulher e outros nobres. Mas certamente teria
o destino do fazendeiro Sr. Jones, que depois de pisoteado pelos bichos
rebelados, fugiria pela porteira da fazenda para nunca mais voltar. Mas o final
só seria feliz, ao contrario do conto de Orwell, se os porcos não se tornassem
mais humanos que os humanos.
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