Nos primeiros meses da pandemia
de Covid, em março de 2020, começaram a surgir nas revistas médicas,
especializadas em publicar artigos científicos, os primeiros trabalhos
mostrando evidencias plausíveis de que a imunização prévia com algumas vacinas,
regularmente aplicadas em quase todo o mundo,
especialmente a MMR (no Brasil conhecida como Tríplice Viral) produziam
forte resposta imune cruzada contra o vírus SarsCov2. Polêmicos, esses artigos
foram alvo de revisão por pares ao longo do ano de 2020. hoje, passado um ano,
quando se pesquisa o assunto "MMR and Covid" no Google, aparecem
dezenas de trabalhos já publicados. Alguns são meta-análises de outras
publicações. Em todos os trabalhos publicados, em suas conclusões finais, os
autores ressaltam que é necessário o aprofundamento dessas pesquisas, com
grupos maiores e métodos de controle científicos para confirmar os estudos
iniciais.
A partir do segundo semestre de 2020 as notícias promissoras em relação a pesquisa e início da produção de várias vacinas específicas contra o vírus causador da Covid19 ofuscaram o interesse e talvez até o apoio financeiro para verificar a viabilidade de se usar vacinas seguras, amplamente disponíveis e já testadas e aprovadas a décadas para tentar conter a pandemia. A celeridade com que foram conduzidas as pesquisas e testes dos novos imunizantes para proteger contra o SarsCov2 e sua posterior aprovação para uso emergencial ou definitivo deu uma sensação de segurança a comunidade científica e a população mundial. Mas esse excesso de otimismo também se refletiu na previsão que se poderia fabricar em tempo recorde os bilhões de doses necessárias para imunizar toda a população mundial no espaço de tempo necessário para parar a doença e evitar o desenvolvimento das variantes perigosas.
Hoje vemos o mundo dividido em uma guerra de interesses econômicos e políticos e a falta de doses, principalmente para os países mais pobres. Os poucos laboratórios que podem produzir os novos imunizantes e as dificuldades logísticas para adaptar linhas de produção para dar conta da quantidade astronômica de doses tem feito os programas de vacinação, à exceção de alguns países, patinar no recebimento de doses e na inoculação nos prazos planejados. Os consórcios formados pela Organização Mundial de Saúde e parceiros de organismos de assistência humanitária também não conseguem fazer com que doses suficientes das vacinas cheguem aos braços dos mais pobres e com maior risco de enfrentarem uma pandemia que ainda não mostra sinais de trégua. Nesse contexto, seria possível que outros imunizantes existentes pudessem ajudar nesse combate? Será que, no futuro, a ciência perceba ter cometido um erro histórico, tendo deixado escapar uma solução efetiva e concomitante ao esforço que foi feito para livrar o mundo de uma das piores pandemias já registradas? Vejamos o que mostra um estudo, escolhido por ter sido um dos primeiros a serem publicados.
No gráfico abaixo estão superpostos dados da pesquisa americana publicada na Sociedade Americana de Microbiologia (MBio), em 28/08/2020, com o título original “Analysis of Measles-Mumps-Rubella (MMR) Titers of Recovered COVID-19 Patients”[i], que relata a imunidade cruzada de indivíduos vacinados com a vacina tríplice Viral (MMR) contra o vírus causador da Covid-19 e as taxas de mortalidade pelo SarCov2 no Brasil. Outros pesquisadores em diversos países também vem publicando estudos parecidos. Os resultados são semelhantes. Basta uma pesquisa rápida na internet para achar mais de uma dezena de artigos com conclusões semelhantes. Em todos eles os autores são prudentes ao afirmar que os resultados são promissores, mas precisariam ser confirmados por estudos mais abrangentes e com maior número de participantes.
Todos deixam claro, nas
conclusões finais, que as pesquisas não sugerem que a vacinação com imunizantes
específicos para a Covid-19 deixe de ser fundamental, mas salientam que, ante a
escassez atual de vacinas, insuficientes para imunizar toda a população, a
demora na logística de distribuição e aplicação, a estratégia de aplicação de
uma vacina alternativa (Tríplice viral), já amplamente utilizada, testada e
disponível em grandes quantidades, poderia ser utilizada como reforço para as
doenças a que se destinam e, como efeito secundário, garantir alguma proteção
contra o novo coronavírus. A vacina Tríplice viral (MMR) já faz parte do
calendário vacinal em dezenas de países, principalmente os mais pobres e
afetados por epidemias de rubéola, sarampo e caxumba. Tem produção em larga
escala e estoques regulares, além de preço irrisório, quando comparado ao valor
das doses das vacinas contra a Covid19.
Pelo gráfico podemos ver que,
tanto a incidência de casos nos Estados Unidos, quanto a mortalidade por faixas
etárias no Brasil, são substancialmente mais baixas entre indivíduos com idades
no intervalo entre um e quatorze anos de idade, seguidas de leve subida até os
dezenove anos. No Brasil, dos 160 mil casos de óbitos por Síndrome Respiratória
Aguda Grave (SRAG), segundo dados do Ministério da Saúde, ocorridos no ano de
2021, houve apenas 325 mortes entre crianças e adolescentes na faixa etária de um
a dezenove anos. Em recém-nascidos até um ano de idade foram registradas 158
fatalidades por SRAG. A partir dos 20 anos – e agora com as novas cepas em
circulação – o número de internações e óbitos crescem acentuadamente, ocorrendo
o rejuvenescimento da pandemia. A faixa etária dos 60 aos 69 anos é atualmente
a que mais registra internações e mortes por SRAG. A partir da primeira semana
de abril ouve uma queda perceptível no número de internações e óbitos de
pessoas acima dos 80 anos. Provavelmente pelo efeito da vacinação desse grupo,
que em sua maioria, já recebeu as duas doses das vacinas.
O padrão de número de óbitos maior
entre pessoas mais idosas mudou. No Distrito Federal essa tendência é mais
clara. A soma de óbitos das faixas entre pessoas entre 70 e 79 e acima de 80
anos foi menor que a soma total de fatalidades na faixa etária de 60 a 69 anos.
Ainda no DF, segundo dados da Secretaria de Saúde, entre os 3491 óbitos por
Covid no ano de 2021, houve apenas cinco mortes entre pessoas entre zero e 19
anos. Essa tendência também se observa no total de óbitos em todo o país. As diversas
hipóteses levantadas para explicar essa discrepância acentuada na menor incidência
de casos sintomáticos e óbitos entre crianças e adolescentes até os 19 anos,
não são conclusivas e deixam lacunas. Mas nesse artigo quero focar em uma
delas. A teoria da provável imunidade conferida
por outras vacinas, em especial a Tríplice Viral (MMR). Em resumo, as pesquisas
realizadas até agora, todas fora do Brasil, mas em países diferentes, apontam
algumas hipóteses:
- A imunidade cruzada, onde o sistema imunológico fica mais fortalecido pela reação imunológica contra as doenças alvo das vacinas para outras doenças;
- A constatação, no caso da vacina tríplice viral, que os níveis de anticorpos contra uma das doenças para as quais a vacina foi projetada – no caso a caxumba – influenciam a proteção contra o SARsCov2;
- Em relação a caxumba e o sarampo foram encontradas sequencias homólogas entre estas e as proteínas de fusão do Sars-Cov-2 e 29% de sequencias homólogas de amino ácidos entre o vírus da rubéola e os macro domínios (ADP-ribose-1-fosfatase) do Sars-Cov-2, que poderia explicar um reconhecimento mais eficiente do sistema imunológico do vírus da Covid19 assim que ele entra no organismo;
- Nesses estudos foi constatado que recém nascidos até um ano, adoecem mais que crianças a partir dessa idade. Exatamente porque elas só recebem a primeira dose de Tríplice viral aos 12 meses de idade (vide letra B no gráfico).
- Após a primeira dose da tríplice as crianças adoecem menos de Covid19 e o número de mortes cai. Aos cinco anos as crianças recebem a segunda dose de tríplice viral (reforço) e a titulação de anticorpos específicos para a caxumba pode chegar a 300 AU/ml (letra C no gráfico). Esses níveis decaem gradativamente para valores de134 AU/ml (posição D no gráfico) em um período de nove anos. E exatamente a partir dessa idade começa o aumento dos casos de infecção grave e mortes pelo Sars-Cov-2;
- Embora a queda na titulação de anticorpos não afete significativamente a proteção permanente da vacina tríplice viral para a prevenção das enfermidades a que ela se destina, a imunidade decai com a idade. Em muitos países são feitas campanhas de reforço quando surtos são detectados. Uma dose de reforço é oferecida a toda população afetada, com a finalidade de evitar o surgimento de uma nova epidemia. Recentemente no Brasil houve uma campanha de reforço que estendeu a aplicação da tríplice para pessoas até 59 anos;
- Segundo o estudo citado, no início desse artigo, quando o nível de titulação de anticorpos para caxumba cai abaixo de 61 AU/ml, foi constatado que pessoas vacinadas com a tríplice viral passaram a apresentar sintomas leves de Covid, evoluindo para casos moderados e graves (menos de 8 AU/ml).Outros trabalhos científicos correlacionaram casos específicos, em diversos países e/ou grupos específicos, onde a incidência de casos e mortes por Covid19 foi inexistente ou teve menor intensidade, quando comparados com outras populações ou locais próximos, onde a pandemia está sendo mais grave e letal. O gráfico abaixo mostra essa correlação.
Portanto seriam necessários
estudos mais aprofundados, duplo-cegos, com um maior número de participantes para
demonstrar ou descartar essa hipótese. Infelizmente talvez não vejamos esses
estudos. Na atual crise pandêmica, infelizmente e de forma antiética, estamos
vendo uma corrida por pesquisas e produção de vacinas específicas para a
Covid19 que estão gerando lucros de bilhões de dólares para diversos
laboratórios. Vários artigos tem destacado a imoralidade da recusa desses
laboratórios em abrir as patentes de fabricação das vacinas existentes,
inclusive contra os pedidos da Organização Mundial de Saúde. Destacam a
distribuição imoral de dividendos oriundos da valorização das ações desses
laboratórios aos seus acionistas.
[i] Link para artigo: https://doi.org/10.1128/mBio.02628-20
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