domingo, 11 de abril de 2021

Morreremos mais cedo, trabalharemos mais... outros reflexos da pandemia.

A pandemia está causando impacto na saúde coletiva e na economia para além de mortes e desemprego. Estudos mostram uma diminuição de até dois anos na expectativa de vida de homens e mulheres, em vários países. As recentes alterações nas regras de aposentadoria, baseadas na premissa anterior à pandemia, que indicavam maior longevidade da população, devem ser revistas? Leia a seguir.

Um estudo feito pela Universidade de Harvard em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais[i] aponta que a pandemia de Covid-19 reduziu em quase dois anos a expectativa de vida do brasileiro ao nascer. A redução varia levemente entre os estados da federação. O Distrito Federal teve uma queda de 3.68 anos na taxa, a maior no Brasil. A expectativa de vida dos brasileiros (média entre homens e mulheres), que mantinha uma tendência de crescimento por anos consecutivos, passou de 76,6 anos em 2020 para prováveis 74.6 anos, quebrando a série positiva. O fenômeno não é visto no apenas no Brasil. Outros países do mundo já detectaram essa tendência. Nos Estados Unidos a redução foi menor, cerca de um ano de vida. A quantidade de fatalidades causadas pela pandemia tem colocado por terra décadas de esforços em todo o mundo, através de investimentos em saúde e medicina preventiva, no sentido de aumentar a longevidade das pessoas.  

Esses números provavelmente vão impactar também a taxa de fertilidade. Segundo o segundo o neurocientista Miguel Nicolelis, podemos ter mais mortes do que nascimentos em 2021. Agora, em março de 2021, em alguns estados e cidades brasileiras, houve mais óbitos que nascimentos. Em relatório divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a região Sudeste teve, pela primeira vez, mais mortes que nascimentos.

E que a doença tem capacidade de mudar a configuração da população brasileira. A letalidade aumentou muito a população em plena fase produtiva, atingindo a força de trabalho. Na faixa etária de 30 a 39 anos, o número de casos aumentou 1.218,33%, e 1.217,95% entre quem tem de 40 a 49 anos. Já entre os que tem de 20 a 29 anos, a letalidade aumentou 872,73%. Se a pandemia continuar avançando, a população brasileira poderá sofrer um fenômeno, que estava previsto para começar em 2043, onde o Brasil teria cerca de 235 milhões de pessoas e começaria a registrar redução contínua e gradual da população.

Os impactos disso na economia e na vida social serão muitos. Com a taxa de fertilidade em queda há várias décadas, estando hoje em torno de 1,7 filhos por casal, o Brasil vê sua população envelhecer. Com menos pessoas jovens e mais idosos, no futuro serão necessários mais leitos em hospitais, em abrigos para idosos e mais pessoas trabalhando como cuidadores. Os setores produtivos terão menos mão-de-obra disponível. Com menos crianças, a educação terá que ampliar a oferta de formação e qualificação de adultos jovens, para ocupações que requerem cada vez mais profissionais especializados. Com menos nascimentos e menos crianças, o sistema educacional também deverá migrar. Os estabelecimentos de ensino fundamental e os docentes que neles atuam, terão que ser requalificados para uma formação que atue mais na formação de técnicos de nível médio.

Nesse momento todos os esforços têm sido dedicados, com propriedade, para estancar a progressão da doença no mundo e diminuir os números de mortos e doentes curados que ficarão com sequelas de longo prazo ou permanentes.  E é o correto a ser feito. Paralelamente, outras ações tentam reduzir os impactos econômicos e sociais na vida das pessoas e empresas. Tentam evitar o colapso econômico e financeiro que se sucede a grandes catástrofes. Os danos perdurarão por anos ou décadas, ameaçando o combate a desigualdade, a fome e ao desemprego. Os sistemas de saúde pública terão que ser revistos para evitar, em crises futuras, o colapso que se observa agora. A falta de profissionais de saúde, em diversas áreas, seja pelo número expressivo de mortes de médicos, enfermeiros e auxiliares e pela aposentadoria ou afastamentos de longo prazo causados pelo estresse físico e psicológico exigirá a formação de novos profissionais. Dentre todas as profissões, a formação de especialistas nessa área é uma das mais demoradas e caras. Em média são necessários de sete a oito anos para que um estudante esteja apto a exercer sua função. Isso não levando em conta os anos posteriores de experiência adquirida com a atuação e a especialização.

Também os sistemas públicos e privados de previdência e assistência social serão impactados. Durante a pandemia em muitos países a atenção básica à saúde está sendo prejudicada. Milhares de tratamentos e cirurgias para doenças crônicas, degenerativas e outras com alta incidência na população estão sendo deixados em segundo plano. Seja pelo risco de exposição ao vírus em clinicas e centros hospitalares, seja pelo deslocamento de equipes inteiras para os setores de atendimento de urgência ou medicina intensiva. Depois da epidemia controlada, muito mais pessoas voltaram ao atendimento de suas doenças preexistentes com grau de agravamento maior. Exigindo mais recursos médicos e de reabilitação e mesmo de aposentadorias precoces ou definitivas. Não se podem deixar de lado também as sequelas psicológicas que já acometem pacientes recuperados e profissionais de saúde.

Por outro lado, o desemprego, o fechamento de muitos estabelecimentos comerciais e industriais deixarão centenas de milhões sem emprego. Muitas dessas vagas serão fechadas de forma definitiva, reflexo das mudanças de hábitos de consumo e pela forma como os consumidores se acostumaram a fazer compras. Não é sem motivos que as grandes corporações de comercio eletrônico tiveram um crescimento recorde durante a pandemia. Grandes fabricantes de bens de consumo passaram a vender diretamente ao consumidor seus produtos. Tirando da cadeia de distribuição as lojas de varejo e representação comercial. Mesmo tendo experimentado crescimento esses setores, por suas características de otimização de custos, empregam menos pessoas que o sistema de vendas tradicionais de lojas de rua.

O trabalho remoto em home office, que já era pensado antes da pandemia, se consolidou de forma definitiva. Muitos escritórios comerciais serão fechados, gerando retração dos negócios imobiliários, construção civil e manutenção predial. Postos de trabalho, para pessoas com baixa qualificação, que atuavam nos serviços de suporte nesses escritórios e prédios, deixarão de existir, aumentando ainda mais o desemprego em uma parcela da população que não terá acesso às novas vagas criadas na economia digital, por falta de qualificação adequada. Algo parecido com a indústria agropecuária, que mesmo tendo aumentado a produção de alimentos, passou a empregar o uso extensivo de máquinas e processos de produção automatizados, encerrando postos de trabalho no campo, que tradicionalmente empregavam também mão-de-obra pouco qualificada. Processo que resultou na migração de grande número de pessoas do campo para a periferia das cidades, vivendo em aglomerações sem as mínimas condições de salubridade e assistência médica e social, aumentando os números da miséria, da fome e da evasão escolar.

Os gastos com assistência emergencial a esses grupos já vinha aumentado antes da pandemia e só tende a se agravar no futuro. A fome e a miséria, que vinham sendo combatidas a passos lentos antes da pandemia, com resultados modestos, experimentam escassez de recursos. Os países ricos, às voltas com o combate dos efeitos econômicos da pandemia em seus territórios, diminuíram as doações para os organismos internacionais e organizações humanitárias. É preciso criar urgentemente emprego e formas de geração de renda para bilhões de pessoas vivendo em situação de pobreza e desigualdade social. Mas um novo modelo de inclusão deve ser pensado. A ideia não é nova. A relação predatória entre o capital e o trabalho está presente na sociedade humana provavelmente desde o início da civilização. Os modelos econômicos vigentes nunca funcionaram adequadamente. Inclusive estão diretamente ligados, seja de forma direta ou indireta, a atual pandemia. Trabalho mal remunerado, concentração de riqueza, crescimento não sustentável, degradação do habitat, poluição, extermínio de culturas e sociedades que detinham saberes milenares de produção e sustento de suas comunidades mantendo a proteção ao ecossistema onde estavam inseridas.

Mas gostaria de terminar esse artigo focando em um dos problemas que abordei. A previdência social. Nas últimas décadas diversos países, inclusive o Brasil, fizeram mudanças profundas nas regras de concessão de benefícios, seus valores e principalmente no tempo de trabalho e contribuição e idade mínima para o trabalhador conseguir se aposentar. Assunto polêmico. O principal ponto de discórdia e insatisfação sempre foi o aumento no limite de idade para concessão dos benefícios. Em todos os estudos econômicos, que levaram a aprovação dessas mudanças, havia a premissa que a expectativa de vida do ser humano havia aumentado, como consequência de melhores condições de vida e dos avanços na medicina preventiva e curativa. O fato em si é verdadeiro, embora as condições para esse aumento de longevidade fossem distribuídas de maneira não uniforme entre toda a população.

No Brasil, na recente reforma da Previdência, a idade mínima para aposentadoria para homens passou de sessenta para sessenta e cinco anos. E para as mulheres essa idade mínima, que era menor, vai gradativamente aumentar, se igualando a dos homens daqui a alguns anos. Nos estudos apresentados no projeto, posteriormente aprovado, estava previsto que nos próximos anos a expectativa de vida média do povo brasileiro ultrapassasse os oitenta anos. Quando foi aprovada a nova lei da previdência a expectativa média entre homens e mulheres era de 76 anos. Se os estudos que citei ao início estiverem corretos, hoje esse valor deve ter caído para os 74 e pode cair ainda mais dependendo do impacto ainda incerto no número de mortes até que se consiga controlar a pandemia. A extinção da modalidade de tempo mínimo de contribuição, para os que ingressarem agora no mercado de trabalho, fará com que um jovem que comece aos 18 tenha que trabalhar e contribuir durante 47 anos para se aposentar. E depois poderia desfrutar do descanso remunerado, mesmo levando em conta que conseguisse viver até os 80, por apenas 15 anos. Não parece justo.

Em se confirmando a queda de dois anos ou mais nessa média, esse tempo de descanso será no máximo de 10 anos. Por outro lado, mesmo os que já trabalhavam e contribuíam antes da aprovação das novas regras, com os pedágios que foram inseridos na nova lei, terão que trabalhar mais que os 35 anos mínimos anteriores e ao invés de se aposentarem aos 60 anos de idade vão ter que esperar, no mínimo, completarem 62 anos. Com isso ficarão mais tempo em seus empregos no mercado de trabalho. Atualmente com mais de vinte milhões de desempregados e um número provavelmente maior de pessoas ocupando trabalhos informais (e portanto) não contribuindo para a previdência social, sendo uma boa parcela constituída de jovens em busca do primeiro emprego, situação que tende a se agravar mais com a demora em se controlar a pandemia, precisaremos criar novos postos de trabalho em quantidade e velocidade que não poderemos alcançar, em virtude da situação econômica do país e do baixo crescimento do PIB que se projeta para os próximos anos.


A solução dos auxílios emergenciais, embora tenha ajudado a mitigar a crise e garantir, pelo menos um pouco mais de comida mesa dos mais pobres, não resolverá o problema a médio e longo prazo. Por ser uma verba de caráter emergencial, não prevista no Orçamento Geral da União ou nas previsões de investimento e crescimento de anos passados, ajuda a aumentar o déficit das contas publicas e necessita de aprovação em caráter excepcional pelo Congresso Nacional. Uma solução possível e justa seria a redução temporária dos critérios atuais de idade  e outras condições para requerimento da aposentadoria, para as pessoas que já completaram a idade e os tempos mínimos de contribuição anteriores à promulgação da nova Lei da Previdência Social. Situação que poderia ser revista daqui a alguns anos quando a economia do país voltasse a crescer em níveis adequados.

Tal medida é justa também do ponto de vista da saúde física e emocional, que se deteriora rapidamente como efeito dos danos causados pela pandemia. Principalmente para os profissionais de saúde e outros trabalhadores, que durante essa atual crise, foram obrigados a continuar trabalhando, mesmo em condições insalubres e perigosas, por força de suas ocupações. O número de mortes, afastamentos por problemas físicos e psicológicos, principalmente dos que trabalham na linha de frente ao combate a pandemia, é expressivo. Mesmo depois de controlada a pandemia, problemas psicológicos, afastamentos por problemas de saúde, não apenas causados pelo vírus, mas pelo estresse, vão diminuir a qualidade e expectativa de vida dessas pessoas. Nada mais justo que possam se aposentar em um tempo menor que o atual.

Além disso, um programa bem implementado de aposentadoria, baseado na redução temporária, da idade mínima de concessão dos benefícios, criaria imediatamente milhões de postos de trabalho para os mais jovens e desempregados. Provavelmente o argumento dos planejadores econômicos do governo seria de que tal medida criaria impacto e mais déficit na Previdência. Mas se levarmos em conta os gastos com programas de assistência, anteriores até à pandemia, a desempregados e pessoas em situação de pobreza, aos gastos com afastamentos do trabalho por auxílio doença e ao próprio déficit previdenciário pela diminuição da arrecadação de contribuições, face ao número de pessoas desempregadas que estão sem contribuir, somados aos benefícios do acesso, da parcela atualmente fora do mercado consumidor e ao consumo de bens e serviços, por não terem renda, criaria um crescimento sustentado da economia e aumento da produção de bens duráveis e não duráveis e bens de capital. E o imposto gerado nessas transações sustentaria o aumento dos gastos previdenciários com essas aposentadorias fora das regras atuais.   

Não se pode esquecer que poucos anos atrás os geógrafos e estatísticos já haviam alertado que o Brasil estava entrando em uma janela demográfica causada pela diminuição de nascimentos e consequente estabilização do crescimento da população. Que o Brasil deveria aproveitar essa janela, onde seriam necessários menos recursos na educação pré-escolar e do primeiro ciclo (por haverem menos crianças) e concentrar esforços na capacitação de jovens e adultos, preparando-os para um mercado de trabalho mais exigente. E também que o investimento estatal na geração de novos empregos poderia diminuir, pois com a estabilização do crescimento da população, o foco mudaria para a manutenção e melhorias salariais e competências dos já empregados. Esse movimento se traduziria pela inserção do Brasil no mercado produtor de bens e serviços com maior valor agregado, para que passássemos da condição de importadores de produtos com alto grau de tecnologia para exportadores desses bens, diminuindo a necessidade de exaurimento e degradação ambientais causadas pela extração e exportação de produtos e commodities in natura, com baixo valor de troca.



[i] CASTRO, M. C. et al (9 de Abril de 2021). Redução na Expectativa de vida no Brasil após a Covid-19. Acesso em 10 de Abril de 2021, disponível em medRxiv: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.04.06.21255013v1.article-info


Um comentário:

  1. O conteúdo é EXCELENTE E REAL
    GOSTARIA QUE as
    PESSOAS LESSEM E COMPARTILHASSEM
    PARA CHEGAR A BRASILEIROS PATRIOTAS
    INTERESSADOS .E (COM PODER PARA
    TANTO)LEM MELHORAR A VIDA E SAUDE DO
    POVO HÁ VÁRIOS ANOS VEM SOFRENDO
    COM O SAQUES AOS "COFRES" DO GOVERNO
    SE LOCUPLETANDO COM O DINHEIRO
    PUBLICO DEIXANDO O BRASIL NO FUNDO DO POÇO SEM CONDIÇÕES FINANCEIRAS E LOGÍSTICAS PARA ENFRENTAR A
    PANDEMIA E SUAS ENORMES CONSEQUÊNCIAS.
    POR FAVOR DIVULGUEM PARA POLÍTICOS E EMPRESÁRIOS OBRIGADA



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