A pandemia está causando impacto na saúde coletiva e na economia para além de mortes e desemprego. Estudos mostram uma diminuição de até dois anos na expectativa de vida de homens e mulheres, em vários países. As recentes alterações nas regras de aposentadoria, baseadas na premissa anterior à pandemia, que indicavam maior longevidade da população, devem ser revistas? Leia a seguir.
Um
estudo feito pela Universidade de Harvard em parceria com a Universidade
Federal de Minas Gerais[i] aponta
que a pandemia de Covid-19 reduziu em quase dois anos a expectativa de vida do
brasileiro ao nascer. A redução varia levemente entre os estados da federação. O
Distrito Federal teve uma queda de 3.68 anos na taxa, a maior no Brasil. A
expectativa de vida dos brasileiros (média entre homens e mulheres), que
mantinha uma tendência de crescimento por anos consecutivos, passou de 76,6
anos em 2020 para prováveis 74.6 anos, quebrando a série positiva. O fenômeno
não é visto no apenas no Brasil. Outros países do mundo já detectaram essa
tendência. Nos Estados Unidos a redução foi menor, cerca de um ano de vida. A
quantidade de fatalidades causadas pela pandemia tem colocado por terra décadas
de esforços em todo o mundo, através de investimentos em saúde e medicina
preventiva, no sentido de aumentar a longevidade das pessoas.
Esses números provavelmente vão impactar também a taxa de fertilidade. Segundo o segundo o neurocientista Miguel Nicolelis, podemos ter mais mortes do que nascimentos em 2021. Agora, em março de 2021, em alguns estados e cidades brasileiras, houve mais óbitos que nascimentos. Em relatório divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a região Sudeste teve, pela primeira vez, mais mortes que nascimentos.
Os
impactos disso na economia e na vida social serão muitos. Com a taxa de
fertilidade em queda há várias décadas, estando hoje em torno de 1,7 filhos por
casal, o Brasil vê sua população envelhecer. Com menos pessoas jovens e mais
idosos, no futuro serão necessários mais leitos em hospitais, em abrigos para
idosos e mais pessoas trabalhando como cuidadores. Os setores produtivos terão
menos mão-de-obra disponível. Com menos crianças, a educação terá que ampliar a
oferta de formação e qualificação de adultos jovens, para ocupações que requerem
cada vez mais profissionais especializados. Com menos nascimentos e menos
crianças, o sistema educacional também deverá migrar. Os estabelecimentos de
ensino fundamental e os docentes que neles atuam, terão que ser requalificados
para uma formação que atue mais na formação de técnicos de nível médio.
Nesse
momento todos os esforços têm sido dedicados, com propriedade, para estancar a
progressão da doença no mundo e diminuir os números de mortos e doentes curados
que ficarão com sequelas de longo prazo ou permanentes. E é o correto a ser feito. Paralelamente,
outras ações tentam reduzir os impactos econômicos e sociais na vida das
pessoas e empresas. Tentam evitar o colapso econômico e financeiro que se
sucede a grandes catástrofes. Os danos perdurarão por anos ou décadas,
ameaçando o combate a desigualdade, a fome e ao desemprego. Os sistemas de
saúde pública terão que ser revistos para evitar, em crises futuras, o colapso
que se observa agora. A falta de profissionais de saúde, em diversas áreas,
seja pelo número expressivo de mortes de médicos, enfermeiros e auxiliares e
pela aposentadoria ou afastamentos de longo prazo causados pelo estresse físico
e psicológico exigirá a formação de novos profissionais. Dentre todas as
profissões, a formação de especialistas nessa área é uma das mais demoradas e
caras. Em média são necessários de sete a oito anos para que um estudante
esteja apto a exercer sua função. Isso não levando em conta os anos posteriores
de experiência adquirida com a atuação e a especialização.
Também
os sistemas públicos e privados de previdência e assistência social serão
impactados. Durante a pandemia em muitos países a atenção básica à saúde está
sendo prejudicada. Milhares de tratamentos e cirurgias para doenças crônicas,
degenerativas e outras com alta incidência na população estão sendo deixados em
segundo plano. Seja pelo risco de exposição ao vírus em clinicas e centros
hospitalares, seja pelo deslocamento de equipes inteiras para os setores de atendimento
de urgência ou medicina intensiva. Depois da epidemia controlada, muito mais
pessoas voltaram ao atendimento de suas doenças preexistentes com grau de
agravamento maior. Exigindo mais recursos médicos e de reabilitação e mesmo de
aposentadorias precoces ou definitivas. Não se podem deixar de lado também as
sequelas psicológicas que já acometem pacientes recuperados e profissionais de
saúde.
Por
outro lado, o desemprego, o fechamento de muitos estabelecimentos
comerciais e industriais deixarão centenas de milhões sem emprego. Muitas
dessas vagas serão fechadas de forma definitiva, reflexo das mudanças de
hábitos de consumo e pela forma como os consumidores se acostumaram a fazer
compras. Não é sem motivos que as grandes corporações de comercio eletrônico tiveram
um crescimento recorde durante a pandemia. Grandes fabricantes de bens de consumo
passaram a vender diretamente ao consumidor seus produtos. Tirando da cadeia de
distribuição as lojas de varejo e representação comercial. Mesmo tendo
experimentado crescimento esses setores, por suas características de otimização
de custos, empregam menos pessoas que o sistema de vendas tradicionais de lojas
de rua.
O
trabalho remoto em home office, que já era pensado antes da pandemia, se
consolidou de forma definitiva. Muitos escritórios comerciais serão fechados, gerando
retração dos negócios imobiliários, construção civil e manutenção predial. Postos
de trabalho, para pessoas com baixa qualificação, que atuavam nos serviços de
suporte nesses escritórios e prédios, deixarão de existir, aumentando ainda mais o desemprego
em uma parcela da população que não terá acesso às novas vagas criadas na
economia digital, por falta de qualificação adequada. Algo parecido com a
indústria agropecuária, que mesmo tendo aumentado a produção de alimentos,
passou a empregar o uso extensivo de máquinas e processos de produção
automatizados, encerrando postos de trabalho no campo, que tradicionalmente
empregavam também mão-de-obra pouco qualificada. Processo que resultou na
migração de grande número de pessoas do campo para a periferia das cidades, vivendo
em aglomerações sem as mínimas condições de salubridade e assistência médica e
social, aumentando os números da miséria, da fome e da evasão escolar.
Os
gastos com assistência emergencial a esses grupos já vinha aumentado antes da
pandemia e só tende a se agravar no futuro. A fome e a miséria, que vinham
sendo combatidas a passos lentos antes da pandemia, com resultados modestos, experimentam
escassez de recursos. Os países ricos, às voltas com o combate dos efeitos
econômicos da pandemia em seus territórios, diminuíram as doações para os
organismos internacionais e organizações humanitárias. É preciso criar
urgentemente emprego e formas de geração de renda para bilhões de pessoas
vivendo em situação de pobreza e desigualdade social. Mas um novo modelo de
inclusão deve ser pensado. A ideia não é nova. A relação predatória entre o
capital e o trabalho está presente na sociedade humana provavelmente desde o
início da civilização. Os modelos econômicos vigentes nunca funcionaram
adequadamente. Inclusive estão diretamente ligados, seja de forma direta ou
indireta, a atual pandemia. Trabalho mal remunerado, concentração de riqueza, crescimento
não sustentável, degradação do habitat, poluição, extermínio de culturas e
sociedades que detinham saberes milenares de produção e sustento de suas
comunidades mantendo a proteção ao ecossistema onde estavam inseridas.
Mas
gostaria de terminar esse artigo focando em um dos problemas que abordei. A previdência
social. Nas últimas décadas diversos países, inclusive o Brasil, fizeram
mudanças profundas nas regras de concessão de benefícios, seus valores e
principalmente no tempo de trabalho e contribuição e idade mínima para o
trabalhador conseguir se aposentar. Assunto polêmico. O principal ponto de discórdia
e insatisfação sempre foi o aumento no limite de idade para concessão dos benefícios. Em todos os estudos econômicos, que levaram a aprovação dessas
mudanças, havia a premissa que a expectativa de vida do ser humano havia
aumentado, como consequência de melhores condições de vida e dos avanços na
medicina preventiva e curativa. O fato em si é verdadeiro, embora as condições
para esse aumento de longevidade fossem distribuídas de maneira não uniforme
entre toda a população.
No
Brasil, na recente reforma da Previdência, a idade mínima para aposentadoria
para homens passou de sessenta para sessenta e cinco anos. E para as mulheres
essa idade mínima, que era menor, vai gradativamente aumentar, se igualando a
dos homens daqui a alguns anos. Nos estudos apresentados no projeto, posteriormente aprovado, estava previsto que nos próximos anos a expectativa de
vida média do povo brasileiro ultrapassasse os oitenta anos. Quando foi
aprovada a nova lei da previdência a expectativa média entre homens e mulheres
era de 76 anos. Se os estudos que citei ao início estiverem corretos, hoje esse
valor deve ter caído para os 74 e pode cair ainda mais dependendo do impacto
ainda incerto no número de mortes até que se consiga controlar a pandemia. A
extinção da modalidade de tempo mínimo de contribuição, para os que ingressarem
agora no mercado de trabalho, fará com que um jovem que comece aos 18 tenha que
trabalhar e contribuir durante 47 anos para se aposentar. E depois poderia
desfrutar do descanso remunerado, mesmo levando em conta que conseguisse viver
até os 80, por apenas 15 anos. Não parece justo.
Em
se confirmando a queda de dois anos ou mais nessa média, esse tempo de descanso
será no máximo de 10 anos. Por outro lado, mesmo os que já trabalhavam e contribuíam
antes da aprovação das novas regras, com os pedágios que foram inseridos na
nova lei, terão que trabalhar mais que os 35 anos mínimos anteriores e ao invés
de se aposentarem aos 60 anos de idade vão ter que esperar, no mínimo, completarem
62 anos. Com isso ficarão mais tempo em seus empregos no mercado de trabalho. Atualmente
com mais de vinte milhões de desempregados e um número provavelmente maior de
pessoas ocupando trabalhos informais (e portanto) não contribuindo para a previdência
social, sendo uma boa parcela constituída de jovens em busca do primeiro
emprego, situação que tende a se agravar mais com a demora em se controlar a
pandemia, precisaremos criar novos postos de trabalho em quantidade e velocidade
que não poderemos alcançar, em virtude da situação econômica do país e do baixo
crescimento do PIB que se projeta para os próximos anos.
A solução dos auxílios emergenciais, embora tenha ajudado a mitigar a crise e
garantir, pelo menos um pouco mais de comida mesa dos mais pobres, não
resolverá o problema a médio e longo prazo. Por ser uma verba de caráter emergencial,
não prevista no Orçamento Geral da União ou nas previsões de investimento e
crescimento de anos passados, ajuda a aumentar o déficit das contas publicas e
necessita de aprovação em caráter excepcional pelo Congresso Nacional. Uma
solução possível e justa seria a redução temporária dos critérios atuais de
idade e outras condições para requerimento
da aposentadoria, para as pessoas que já completaram a idade e os tempos
mínimos de contribuição anteriores à promulgação da nova Lei da Previdência Social.
Situação que poderia ser revista daqui a alguns anos quando a economia do país
voltasse a crescer em níveis adequados.
Tal
medida é justa também do ponto de vista da saúde física e emocional, que se
deteriora rapidamente como efeito dos danos causados pela pandemia.
Principalmente para os profissionais de saúde e outros trabalhadores, que
durante essa atual crise, foram obrigados a continuar trabalhando, mesmo em
condições insalubres e perigosas, por força de suas ocupações. O número de
mortes, afastamentos por problemas físicos e psicológicos, principalmente dos
que trabalham na linha de frente ao combate a pandemia, é expressivo. Mesmo
depois de controlada a pandemia, problemas psicológicos, afastamentos por
problemas de saúde, não apenas causados pelo vírus, mas pelo estresse, vão
diminuir a qualidade e expectativa de vida dessas pessoas. Nada mais justo que
possam se aposentar em um tempo menor que o atual.
Além
disso, um programa bem implementado de aposentadoria, baseado na redução temporária, da idade
mínima de concessão dos benefícios, criaria imediatamente milhões de postos
de trabalho para os mais jovens e desempregados. Provavelmente o argumento dos
planejadores econômicos do governo seria de que tal medida criaria impacto e
mais déficit na Previdência. Mas se levarmos em conta os gastos com programas
de assistência, anteriores até à pandemia, a desempregados e pessoas em
situação de pobreza, aos gastos com afastamentos do trabalho por auxílio doença
e ao próprio déficit previdenciário pela diminuição da arrecadação de
contribuições, face ao número de pessoas desempregadas que estão sem
contribuir, somados aos benefícios do acesso, da parcela atualmente fora do
mercado consumidor e ao consumo de bens e serviços, por não terem renda, criaria
um crescimento sustentado da economia e aumento da produção de bens duráveis e
não duráveis e bens de capital. E o imposto gerado nessas transações
sustentaria o aumento dos gastos previdenciários com essas aposentadorias fora das
regras atuais.
Não
se pode esquecer que poucos anos atrás os geógrafos e estatísticos já haviam alertado
que o Brasil estava entrando em uma janela demográfica causada pela diminuição
de nascimentos e consequente estabilização do crescimento da população. Que o Brasil
deveria aproveitar essa janela, onde seriam necessários menos recursos na educação
pré-escolar e do primeiro ciclo (por haverem menos crianças) e concentrar
esforços na capacitação de jovens e adultos, preparando-os para um mercado de
trabalho mais exigente. E também que o investimento estatal na geração de novos
empregos poderia diminuir, pois com a estabilização do crescimento da
população, o foco mudaria para a manutenção e melhorias salariais e competências
dos já empregados. Esse movimento se traduziria pela inserção do Brasil no
mercado produtor de bens e serviços com maior valor agregado, para que
passássemos da condição de importadores de produtos com alto grau de tecnologia
para exportadores desses bens, diminuindo a necessidade de exaurimento e
degradação ambientais causadas pela extração e exportação de produtos e
commodities in natura, com baixo valor de troca.
[i] CASTRO, M. C. et al (9 de Abril de 2021). Redução na Expectativa de vida no Brasil após a Covid-19. Acesso em 10 de Abril de 2021, disponível em medRxiv: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.04.06.21255013v1.article-info
O conteúdo é EXCELENTE E REAL
ResponderExcluirGOSTARIA QUE as
PESSOAS LESSEM E COMPARTILHASSEM
PARA CHEGAR A BRASILEIROS PATRIOTAS
INTERESSADOS .E (COM PODER PARA
TANTO)LEM MELHORAR A VIDA E SAUDE DO
POVO HÁ VÁRIOS ANOS VEM SOFRENDO
COM O SAQUES AOS "COFRES" DO GOVERNO
SE LOCUPLETANDO COM O DINHEIRO
PUBLICO DEIXANDO O BRASIL NO FUNDO DO POÇO SEM CONDIÇÕES FINANCEIRAS E LOGÍSTICAS PARA ENFRENTAR A
PANDEMIA E SUAS ENORMES CONSEQUÊNCIAS.
POR FAVOR DIVULGUEM PARA POLÍTICOS E EMPRESÁRIOS OBRIGADA