sábado, 25 de janeiro de 2014

Ah, você está vendo só do jeito que eu fiquei...

Grafite em viaduto sobre a Avenida Sumaré. Pintura chama atenção para pessoas em situação de rua. (foto: Daniel Santini) in http://outrasvias.wordpress.com/2010/07/

O que deu errado no Brasil? Por que, no século passado, nos anos 40, em um bairro pobre do Rio, uma moça filha de mãe solteira e pobre, que aos oito anos quase morre de febre reumática, aos dez tem que largar a escola para trabalhar e ajudar a família e aos doze perde o padrasto, se transforma na maior compositora brasileira? Como explicar a vontade de vencer dessa moça, que encantou o Brasil com uma voz perfeita, cantando inclusive em diversos idiomas, que nunca aprendeu com uma dicção perfeita? E tudo isso acontecendo em um Brasil bem mais precário, quase colonial ainda, com poucos recursos sociais.

Por que durante vários séculos até pelo menos a metade do século vinte, tantas personalidades nas artes, nas ciências e na cultura, brotaram de famílias pobres, vivendo em rincões afastados de qualquer progresso. Que força era essa que não quebrava o ânimo dessas pessoas e as fazia lutar por um lugar ao sol. Dolores Duran, mesmo falecendo aos vinte e nove anos, devido a sequelas da doença que a acometeu na infância, deixou uma obra belíssima na forma de canções que, como compositora ou intérprete se tornaram ícones da música popular brasileira.

Dolores Duran, nascida Adiléia Silva da Rocha (Rio de Janeiro, 1930-1959)

 Mesmo tendo sofrido muito na infância e adolescência, jamais deixou de acreditar no amor e no romantismo. Sem  ter terminado ao menos o antigo ginasial, era capaz de escrever uma letra perfeita em dois minutos, Foi assim que nasceu "Por causa de você" criada dentro dos estúdios da Radio Nacional, escrita com lápis de sobrancelha, ao lado do piano de Tom Jobim, também um iniciante. O poetinha Vinicius de Moraes gostou tanto que, mesmo já tendo escrito parte da letra para Tom, abriu mão para a versão de Dolores. 

O que se passa no Brasil hoje, onde pobreza se torna estigma e desculpa para se cometerem as mais absurdas violências, tendo de um lado os excluídos e do outro os que excluem. Ambos alegando a miséria como impossibilidade para a formação de pessoas com direito a uma vida com qualidade e principalmente criatividade. Eu não me conformo que as Adiléias da Silva de hoje tenham que se transformarem em adolescentes infratoras, mães precoces, prostitutas ou trabalhadoras desqualificadas, em um Brasil que não é mais a nação subdesenvolvida e atrasada de outrora.

Multiplicaram-se as melhorias tecnológicas, os programas de assistência social, as exportações e a arrecadação de impostos. Mas esses benefícios parecem não produzir efeito em tirar da miséria moral e intelectual uma determinada parcela da população. E esses bolsões de pobreza são os mesmos há séculos. É se é necessário compreender preciso entender porque os benefícios sociais não se distribuem com igualdade e principalmente atingindo locais e comunidades que deles mais precisam, é importante se compreender também o que levou essas pessoas a desistirem de um lugar ao sol. Compreender porque não se fazem mais Dolores de Adiléias, deixando nossa cultura mais pobre e estereotipada. 

Brasília, Janeiro/2014

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