sábado, 29 de julho de 2017

Ana Hickmann é vítima, mas não é melhor que ninguém.

Fonte da imagem: http://www.reportermaceio.com.br/urgente-ana-hickmann-e-alvo-de-atentado-em-bh-atirador-morre-em-quarto-de-hotel/




O Brasil está mergulhado numa situação de caos, terror e todos os tipos de violência, como a que se sucedeu com a apresentadora. Felizmente ela teve sorte e escapou com vida. Independentemente de sua situação social e financeira, o trauma é grave e difícil de superar. E infelizmente acontece diariamente com outras pessoas, sobretudo com mulheres pobres e em situação de negligência e desassistidas pelas políticas publicas de bem estar e igualdade. Mas o desenrolar dos fatos mostra outras discrepâncias na forma como a sociedade, a mídia e o poder público tratam dessas questões. A polarização se dá em torno de circunstâncias que afastam convenientemente (para o estado e a sociedade omissos), a discussão do cerne do problema da violência e da desigualdade. 

E aqui eu quero delimitar, o motivo desse texto: a indignação, não apenas da própria apresentadora, mas de parte da sociedade, pelo fato de seu cunhado ter se tornado réu em um processo que deveria figurar apenas como uma das vítimas, se não fossem as circunstâncias atípicas do ocorrido. Se o agressor tivesse se suicidado depois de ver que não conseguiria perpetrar sua vingança irracional e delirante, ou se a segurança do hotel ou a polícia tivessem chegado a tempo de conter o agressor, o caso já estaria esquecido. Logicamente não na alma da apresentadora, que provavelmente carregará  esse trauma para o resto da vida. E por isso, ela e outras tantas vítimas de todo o tipo de violência, merecem nossa empatia e solidariedade. 

Trata-se de notícia, logo repercutida nas redes sociais,  da aceitação pela juíza Ámalin Aziz Sant'ana, que cuida do caso, pela abertura de processo acatando a denúncia do Ministério Público, contra Gustavo Correa, cunhado da apresentadora Ana Hickmann, por homicídio simples. Mas apareceram os posts e memes no Face Book e logo começaram os  comentários sem noção:  

“Judiciário aparelhado pelo crime da nisso, malditos comunistas legítima defesa agora é crime no Brasil.”

Esse comentários,  bem como outros igualmente inúteis, que podem ser lidos aqui, em nada ajudarão a discutir o ponto fundamental do que está nas entrelinhas da noticia e do fato:  o estado insuportável e desumano de insegurança e violência em que vivemos. Tão irracionais quanto o atentado, se transformam em puro discurso de ódio e forma de catarse coletiva. O mesmo que levou o agressor tresloucado a tentar tirar a vida da apresentadora. Levado por razões que só ele, em sua mente doentia, achava válidas e que morreram com ele. E é preciso ressaltar que o agressor, agora falecido e tornado também vítima, no mesmo processo, não tinha antecedentes criminais, trabalhava e era tido como pacato pelos amigos e vizinhos.

Mas o caso concreto, para além da própria violência do episódio, é que, ao defender a vida da cunhada, da esposa e sua própria, o Sr. Gustavo Corrêa, assessor e empresário da apresentadora, acabou por se envolver em outro episódio de violência ligado ao crime original. Por azar (nesse caso) acabou matando o agressor - supostamente por legitima defesa - mas provavelmente com uso excessivo de força letal. Mais que o insólito e absurdo episódio original. esse fato está circulando na mídia e na opinião pública, despertando reações extremas e polarizadas. 

O episódio, como acabou se desenrolando, está lá, tipificado no texto da Lei (art. 121, § 2º, IV, do Código Penal): No mínimo houve o tal excesso do dolo, ou  uso desproporcional da força para fazer cessar a agressão.  Exatamente por isso, a juíza aceitou continuar o processo e levar o acusado a julgamento por homicídio doloso. Não se trata de condenação ou presunção de culpa. Por princípio ele é inocente até receber o veredito. E durante o processo e julgamento, o que vai ser estar na balança é determinar se ele agiu em realmente em legítima defesa e se ele se excedeu no ato.

Dar três tiros na nuca de alguém, para um investigador criminal, é coisa de matador profissional. Quem nunca pegou em uma arma e, tão pouco, nunca atirou em alguém, fica tão nervoso, em uma situação dessas, que é capaz de errar um tiro, mesmo estando a poucos centímetros do alvo. Nessas situações, quem não sabe atirar, é capaz de errar um tiro em uma parte maior do corpo como as costas, peito ou abdómen. Não estou com isso afirmando que o cunhado da apresentadora é um matador frio e calculista. E muito menos afirmando que teve ou não intenção de matar, para além do instinto natural de defesa.
  
Se a vítima imobiliza o agressor e, ainda assim, dispara três tiros em sua nuca, pode vir a responder por homicídio qualificado, pois matou tornando impossível a defesa do agressor, agora tornado vítima. É estranho, parece absurdo, em face da situação de violência e insegurança que o país mergulhou, mas é a lei. Acertar três tiros próximos na nuca de alguém é coisa de quem: ou sabe manejar bem uma arma de fogo ou acaso, fruto de pura coincidência e azar levado pelo desespero do momento. 

Mas pode ser também o desejo de fazer justiça com as próprias mãos. Se o agressor de Ana já estava dominado e de costas para o cunhado dela, nem precisar atirar seria necessário. Bastava um comando verbal de rendição com ameaça subsequente de atirar. O famoso “Pare ou atiro!”. Mas vá lá... o cunhado, nervoso, poda não ter tido a coragem necessária e o treino para fazer isso. Mas poderia, ainda sim, dado apenas UM tiro nas pernas ou nas costas, como forma de parar o agressor. Ou ainda atirar para o alto, para assustar e intimidar que o agredia.  

Evidentemente, a partir de agora e com o processo tomando seguimento, o juiz ou júri popular terá que decidir pela absolvição ou condenação do acusado. Serão ouvidas as testemunhas, lidos e analisados os laudos periciais,  apresentadas as provas e considerações da defesa e da promotoria até que se chegue ao resultado final.  Pode ser que seja considerado apenas o uso excessivo da força com sentença menor e pena alternativa ou pode ser que não. E deverá ser levado em conta, a existência dos atenuantes, pois se trata de caso onde o morto agora figura como acusado e vítima. E que houve uma intenção real de matar por parte dele.

Por hora, não adiantam as ilações e as manifestações tolas e incabíveis. Estas servem, no mínimo para acobertar outro fato triste em nossa sociedade -  tão desigual e desgastada por séculos de um poder público inepto e leniente - que privilegia quem tem dinheiro, poder ou é famoso: o fato que a senhora Ana Hickmann por se achar superior, ser famosa e ter fortuna, a faz estar acima da justiça e da apuração dose fatos.  Que, pelo fato justo e comprovado de ser vítima (ainda mais rica), a Justiça não siga o curso natural previsto no texto legal para esses casos.


E ela, com todo o respeito e empatia que tenho, não por sua fala, mas pela situação pela qual passou, não a faz se pensar acima da lei. E ela nesse caso, não é melhor que ninguém. Pelo contrário: como mulher, figura pública influente, e com grau maior de instrução deveria se portar, no caso, pensando se o ocorrido com ela tivesse se sucedido com uma mulher pobre, negra, desamparada pela política perversa do sistema social vigente, que tivesse sido defendida por um parente em mesma situação. Provavelmente seria mais  uma mulher esquecida pela invisibilidade social e o parente (cunhado ou outro) estaria preso e aguardando eternamente um julgamento justo e eficiente para o caso.

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