Ao olhar uma foto, e tendo apenas ela como imagem, o cineasta francês Jean-Luc Godard, consegue realizar um filme de pouco mais de dois minutos, mas que representa uma guerra inteira. Mais que uma guerra, um genocídio, acontecido em Saraievo, Bosnia and Herzegovina (antiga Iugoslávia). E acima disso tudo, critica uma Europa dividida secularmente entre uma elite dominante e uma maioria oprimida. Essa cultura, embora mude de lado de tempos em tempos, com o oprimido se tornando o opressor e algoz, por certo período, atue que ele mesmo passe a se julgar elite, tem como mecanismo de propaganda, a cultura e como mecanismo de imposição o terror que leva ao medo extremo: a paúra.
E o termo cultura, na frase anterior, não deve ser
confundido com seu homônimo, que se refere ao conjunto dos saberes e artes comuns a determinado povo. Mas sim o status quo de determinadas correntes político-ideológicas-religiosas que nos impõem suas regras como sendo as adequadas para a ordem e o progresso. E essa cultura, em nome desse suposto consenso, mata, domina, escraviza, aprisiona e cerceia o que não lhe é semelhante. E portanto não se apresenta como normal.
O filme acima é um passeio do olhar de Godard, sobre uma única imagem, narrado pelo próprio m francês (com legendas em inglês). A narrativa e o movimento da câmera sobre os detalhes da imagem nos levam a uma viagem de reconhecimento de particularidades. "Desanestesiando" nosso olhar saturado de representações do horror (cito aqui de forma não literal o oensamento da escritora Susan Sontag). Existem versões com legendas em português. Mas num tanto mal traduzidas, acabam deturpando o sentido original do texto e do intertexto. Abaixo deixo uma versão minha. De longe não é também perfeita, mas me faz sentido.
E o termo cultura, na frase anterior, não deve ser
confundido com seu homônimo, que se refere ao conjunto dos saberes e artes comuns a determinado povo. Mas sim o status quo de determinadas correntes político-ideológicas-religiosas que nos impõem suas regras como sendo as adequadas para a ordem e o progresso. E essa cultura, em nome desse suposto consenso, mata, domina, escraviza, aprisiona e cerceia o que não lhe é semelhante. E portanto não se apresenta como normal.
Foto de Ron Haviv, da série "Blood and Honey" (Bijeljina, Bósnia, 1992). |
O filme acima é um passeio do olhar de Godard, sobre uma única imagem, narrado pelo próprio m francês (com legendas em inglês). A narrativa e o movimento da câmera sobre os detalhes da imagem nos levam a uma viagem de reconhecimento de particularidades. "Desanestesiando" nosso olhar saturado de representações do horror (cito aqui de forma não literal o oensamento da escritora Susan Sontag). Existem versões com legendas em português. Mas num tanto mal traduzidas, acabam deturpando o sentido original do texto e do intertexto. Abaixo deixo uma versão minha. De longe não é também perfeita, mas me faz sentido.
Eu te saúdo, Saraievo. (
"De certa forma, veja você, a Paúra é também uma filha de
Deus.
Redimida na noite da sexta-feira santa, ela não é bonita de
se ver.
Não... tão renegada, tão amaldiçoada, é renunciada por todos.
No entanto, não se iludam, ela está em cada cabeceira, no
momento da morte.
E intercede pelos homens, estejam eles dentro da regra ou na
transgressão.
E a cultura é a regra.
E a arte, a transgressão.
Todos querem a regra: cigarros, computadores, camisetas,
televisão, o espetáculo da guerra.
Ninguém se diz na transgressão.
Mas se não está dita, está escrita: Flaubert, Dostoïevski.
Está composta: Gershwin, Mozart.
Está pintada: Cezanne, Vermeer.
Está filmada: Antonioni, Vigo.
Ou é vivida, quando se torna a arte de sobreviver: Sbrenica,
Mostar, Sarajevo.
E faz parte da regra querer a morte da transgressão.
Logo, é próprio da cultura da Europa organizar a morte da arte de viver, que ainda
floresce aos nossos pés.
Notas:
1) As primeiras seis linhas do texto são uma reprodução da
epígrafe que aparece no roteiro de uma peça teatral: "Dialogue des
Carmelites", adaptada em 1949 por Georges Bernanos, a partir da obra
"A última na Guilhotina" da escritora alemã Gertrud von Le Fort,
publicada em 1931. Essa primeira parte do texto narrado por Godard é
fundamental para se entender o restante do contexto. O Dialogue e a obra de Le
Fort tratam da execução pela guilhotina, de 16 freiras do Carmelo de Compiègne
em 1796, início da Revolução Francesa e do período que ficou conhecido como
"o Terror". Mais tarde, durante a ocupação alemã da França e no pós
guerra, quando se instaura a "a depuração" (para muitos franceses
considerada uma segunda era do terror) escritores como Bernanos, Sartre,
Mauriac, Camus, Breton, etc passam a escrever peças, ensaios e artigos sobre o
tema.
2) Até hoje a França vive dividida por resquícios, mágoas e
sentimentos de vingança entre comunistas e republicanos, que datam mais dois
séculos. Entender a xenofobia em França e por conseguinte na Europa, precisa
passar pelo crivo do estudo dessas "depurações". Desde a Bastilha,
passando pelo Holocausto, o estado de Vichy em França, os anos de depurações no
pós guerra, na Alemanha dividida, na França de De Gaulle, nos Balcãs (desde as
unificações étnicas forçadas pela extinta URSS até as guerras separatistas dos
anos 80 e 90). Muitos estudiosos do assunto consideram que o medo da volta do
Medo, faz com que uma parte dos nacionais europeus temam a invasão do
"outro não europeu" e uma nova dominação de seus estados natais.
3) A estrofe final do texto de Godard é uma parte do poema
"Coração Partido do escritor Luis Aragos (do livro Le Crève-Cœur, de
1941). Ve-se, portanto, que o belo curta de Godard não fala apenas da covardia
e dos horrores da guerra civil da Bosnia e das demais ex-Repúblicas Tchecas.
Fala também do medo do povo não aristocrático e sem posses, que vive à mercê de
sistemas políticos, ideologias e arbitrariedades do sistema capitalista. Tal
medo extremo - a Paúra - acaba se convulsionando, de tempos em tempos, em eras
de terror e crueldade. Praticada pelos que se revoltam pela mesma crueldade que
os dominavam. Nessas horas, como disseram vários pensadores, "devem haver
bodes expiatórios" geralmente escolhidos entre os mais fracos e indefesos,
sobre os quais não recairá a atenção da mídia, da história ou do povo.
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