As curvas de concentração de renda ( denominadas curvas de Lorenz), desses cinco países tão diversos São bem semelhantes. Na verdade quase iguais. Demonstrando que mesmo a maior potência econômica mundial, consegue ter uma curva de desigualdade comparável a um dos países mais pobres do mundo. Coletando dados econômicos e populacionais montei a tabela abaixo:
Notas:
1 - Desigualdade
de Renda: Deve-se observar que quanto mais próximo de 100, mais desigual é
o país e quanto mais próximo de 0, menos desigual.
2 - O Coeficiente
de Gini consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa
igualdade (no caso do rendimento, por exemplo, toda a população recebe o mesmo
salário) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa recebe todo o
rendimento e as demais nada recebem).
O índice de Gini é o coeficiente expresso em
pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por 100).
3 – A desigualdade de renda, na última linha da tabela,
mostra o Coeficiente de Gini em 2012 e um de seus índices, o R/P
10% que indica a relação entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres
habitantes do país.
Comparados lado a lado, mostram discrepâncias previsíveis e outras intrigantes. Por exemplo, apesar da desigualdade de renda nos EUA ser bem mais baixa que a do Brasil, o coeficiente de Gini não é tão diferente. Isso porque ele envolve outros parâmetros como educação, segurança, etc.
Evolução da Distribuição de renda entre Brasil e EUA no período de 2001 a 2013.
A semelhança na concentração de renda é mostra os 1% mais ricos aumentando sua participação no total do PIB no Brasil, assim como nos EUA. Sendo que nesse último, os 10% mais ricos continuaram a crescer, enquanto no Brasil diminuíram sua participação. Nos dois países, os 40% intermediários (que corresponderia a classe média) decresceram em participação. A diferença mais notável é o ligeiro aumento da participação na renda total dos 50% mais pobres no Brasil - embora os dados sejam de 2012 - e as pesquisas atuais mostram que esse ganho vem sendo perdido com a crise financeira que atravessamos e que piorou muito nesses últimos 5 anos. Provavelmente hoje ela esteja mais parecida com a curva para a mesma população nos EUA, que vem diminuindo desde o mesmo período. Ou seja, nos dois países, os 10% mais ricos avançaram mais na fatia do bolo, e os 90% restantes ficaram mais pobres.
Um caso interessante entre os sete países comparados, é do da França. No mesmo período, a mobilidade de todas as faixas econômicas ficou estável. Com as curvas do gráfico se concentrando no meio da mesma, demonstrando que não houve variações importantes no acúmulo de riqueza entre os 10% mais abastados e os 90% restantes nas classes media e baixa. Isso demonstra que apesar dos franceses estarem insatisfeito com o crescimento econômico do país, a estagnação da economia não produziu mais super ricos ou mais pobreza. A relação mais perversa, aconteceu nos EUA, onde os mais pobres percebem que apesar da recuperação da economia e de o pais continuar sendo o mais rico do planeta, o número de pessoas que entraram na linha da pobreza aumentou.
Por isso a França aparece, na primeira imagem desse post, ao lado da Noruega, como um dos países mais igualitários em distribuição da riqueza e com índices GINI bem semelhantes. Os valores baixos (mais próximos do coeficiente zero) demonstram que há mais igualdade na distribuição de renda e riquezas. Analisando os demais indicadores econômicos da França, vemos que apesar de ser a sexta economia do mundo, seu PIB corresponde a 16% do primeiro colocado, os Estados Unidos. Mas em contrapartida a renda média per capta é apenas 40% menor que a dos cidadãos americanos e com menos concentração de riqueza nas mãos de menos pessoas.
E o que explica os números tão ruins do Brasil e do México, que têm um PIB e uma renda per capta parecida e indicadores sociais tão ruins? Olhando a tabela acima, podemos fazer diversas outras comparações interessantes: comparar o PIB do Chile com o da Noruega, que não chegam a ser o dobro do outro, mas causam um abismo social enorme em termos de indicadores positivos sociais e econômicos. E como explicar a quase exatidão simétrica das curvas de Lorenz da nação mais rica e poderosa do mundo com a do Haiti, uma das mais pobres? E desta última, com sua configuração exata com países em bem melhor situação econômica como o Brasil, o Chile e o México?
Penso que uma das respostas pode estar no número de habitantes desses países. O PIB do brasil é 205 vezes maior que o do Haiti. Enquanto a população do Haiti é apenas 19 vezes menor que a do Brasil. Isso significa que para a renda per capta haitiana chegar ao mesmo patamar da brasileira, a população deveria ser de apenas 1000 indivíduos, contra os quase 11 milhões atuais. Ou o PIB teria que se elevar a cerca de US$ 94 bilhões de dólares, contra os atuais ínfimos US$ 8 bilhões. Então me pergunto se as mais de duas décadas de intervenção (em um período inicial) e posterior ajuda econômica, que as Nacões Unidas tem tentado fazer no país realmente foram focadas em reconstruir e melhorar a economia daquela nação.
O crescimento da pobreza, o aumento de concentração de renda e a desigualdade são semelhantes entre Brasil e Estados Unidos. Pelo menos nas estatísticas oficiais. No Brasil, a população dobrou em menos de 30 anos, saltado de pouco mais de 100 milhões de habitantes em 1980, para 208 milhões em 2017. Um crescimento de 100%. O PIB, nesse mesmo período, teve taxa semelhante de crescimento. Com isso a renda per capta se manteve estacionada. Em uma comparação análoga ao Haiti, para que o país melhorasse a renda familiar e a renda per capta, a população não deveria ter crescido tanto ou os investimentos em produtividade e criação de riquezas deveriam ter sido bem maiores e em ações bem planejadas.
O Brasil não prioriza há décadas (séculos?) a divisão justa da terra, o investimento em produção de bens duráveis e bens de capital, a aplicação maciça de recursos em educação de qualidade e formação de mão-de-obra qualificada e a pesquisa científica. Ao contrário, confiamos no aumento da exportação de commodities em forma de matérias primas de baixo valor agregado e na especulação financeira. Esse tipo de crescimento não sustentável acaba sempre por privilegiar os 10% mais ricos em qualquer país que use o mesmo modelo. O aumento da desigualdade social e o crescente descontentamento das populações mais pobres e marginalizadas no país mais rico do mundo, parece confirmar essa tendência. Mesmo ressaltando que, ao contrário do Brasil, os EUA obtém divisas majoritariamente pela exportação de bens de consumo e capital e pela especulação com sua moeda, que lastreia as trasações comerciais em todo o planeta.
A exportação de commodities se dá na forma de matérias primas industrializadas, na forma de alimentos e outros materiais industriais. Mas essa riqueza gerada acaba por aproveitar um porcentagem menor de mão-de-obra altamente qualificada, colocando à margem do sistema, uma grande parte de pessoas com pouca qualificação e sem poder aquisitivo. Assim como no Brasil e em outras nações com altos índices de desigualdade, essas pessoas não tem acesso ao consumo, à educação de qualidade e aos sistemas públicos ou provados de saúde e benefícios sociais.
Finalmente, nesse contexto todo, olhando para os dados e números absolutos dos indicadores econômicos da França, com um dos melhores índices de Gini do mundo, boa renda per capta e baixa desigualdade de distribuição de renda, podemos ter algumas pistas do porquê ela estar atualmente entre os países mais xenófobos da Europa e a quase vitoriosa campanha da extrema direita nas últimas eleições. E mesmo a vitória de Emmanuel Macron, um social-democrata, com uma certa margem de votos (60%) frente a sua opositora, Marine Le Pen - uma radical de direita, filiada à Frente Nacional, parece não ter acalmado muito os ânimos dos franceses. Macron em poucos meses de mandato já encontra resistências e grandes desafios para implantar uma política trabalhista mais austera.
Como disse a historiadora e pscanalista Élisabeth Roudinesco: "Havia uma conjuntura muito difícil, o desemprego que não diminuía. A esquerda fez grandes declarações econômicas, mas era preciso ter um discurso mais ideológico para dar esperança a um país absolutamente melancólico. A característica da França é que somos, na Europa Ocidental, um dos países que têm um dos melhores níveis de vida e, ao mesmo tempo, as pessoas têm medo, e com razão, de perder suas conquistas sociais. Vimos crescer esta Frente Nacional (FN), extremamente perigosa por seu populismo. A situação estava bloqueada."
Enquanto os franceses, com medo de perder a condição de terem um dos melhores níveis de vida da Europa e vêm os estrangeiros pobres que chegam ao país como uma ameaça a deteriorização de uma posição conquistada com muitas guerras e guilhotinas, a classe média e os mais ricos no Brasil vêm a pobreza, a baixa escolaridade e a consequente dependência destes aos programas sociais, pagos com seus impostos, como uma ameaça aos seus níveis de vida. Mesmo sendo justo ressaltar que essa menor parte da população, que paga impostos pesados, não vê o retorno destes nos serviços públicos, que no fim deveriam servir a ricos ou pobres, é uma posição como sempre privilegiada e detentora de uma certeza de merecimento baseada em preconceitos e posições históricas ultrapassadas e apodrecidas.
Vivemos portanto um grande impasse político há séculos. A grande maioria da população vive na pobreza extrema, não tem acesso a um sistema social justo, que não é só fruto da falta de escolas e educação de qualidade. Também advém do fato de , por não viverem em um sistema social justo, não sabem bem o que isso significa e por isso não conseguem se unir coesamente em uma posição política que defenda seus interesses. Ao contrário. São manipuladas por interesses políticos populistas orquestrados por interesses dos mais ricos e centrados, convenientemente escondidos, na manutenção do status social e financeiro de poucos. A classe média, que tem acesso aos benefícios públicos ou pagos, que possui educação e formação política também não parece muito interessada em defender políticas que, certamente terão que cortar privilégios destes para promover a melhoria da desigualdade social.
E no resultado das urnas, década após décadas vemos uma polarização violenta inicial que depois sempre acaba acomodada e acomodando os interesses mesquinhos e seculares vigentes. Lembro-me sempre das palavras do competente geógrafo Milton Santos em um Programa Roda Viva, da TV Cultura: "Se alguma revolução social verdadeira acontecer no Brasil, vira das classes desvalidas. A classe média vive como se estivesse imersa nesse mar de misérias com a lama chegando ao nariz. Tudo que faz é não se mover e se manter na ponta dos pés para evitar que sufoque" (Não é ipsis litteris). Mas outra frase sua é":
"Existem apenas duas classes sociais, as do que não comem e as dos que não dormem com medo da revolução dos que não comem."
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Não entro no mérito da análise dos dados, porque não é minha praia, mas concordo que a desigualdade social extrema é um barril de pólvora.
ResponderExcluirConcordo que não somos especialistas nesse tipo de análise, mas olhando os números vê-se coisas bem lógicas e outras bem desafiadoras da curiosidade. Particularmente penso que uma das coisas que me fazem sentido é a relação de distribuição de renda, igualdade (ou desigualdade) com o número de habitantes dos países, mas não em uma relação direta com o PIB de cada um. Os EUA tem o maior PIB do mundo mas, mesmo tendo uma população bem alta, não justificaria a curva de Lorenz ser quase igual à do Haiti ou do Brasil. Mostra contudo uma alta concentração de riqueza na mão de poucos. Obrigado pela leitura e por sua participação!
ExcluirRealmente foi muito interessante esta comparação. Muito prático, didático e autoexplicativo. Parabéns.
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