quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Arte financiada é realmente livre?

Na imagem: Frame de vídeo do jornalista Sidney Rezende comentando sobre a polêmica exposição do Santander. Disponível em http://www.srzd.com/colunas/sidney-rezende/sociedade-opcao-censura/
Sobre a polêmica exposição, vou me posicionar apenas sob um aspecto. Pessoal e privativo de meu direito de livre pensar. Tenho batido nessa tecla já não sei mais quantos anos ou décadas. Quanto ao valor, como arte, direito de expressão do artista, limites (se são necessários ou cabíveis), deixo aos "experts" no assunto. Afinal, como artista e arte-educador, me acho sempre ignorante. No sentido em que enquanto estiver vivo, não vou saber tudo e vou aprender até sessar minha existência. Mas vamos ao ponto:

A ÚNICA coisa que condenonessa exposição e em mais um sem número de produções artísticas é o DEDO DO SISTEMA PÚBICO no meio. Literalmente e pornograficamente falando. Já estou acostumado a levar pedradas de outros colegas de profissão. E absolutamente não me importo. PARA MIM, dinheiro público vindo de de mecanismos como a Lei Rouanet (renúncia fiscal por parte do governo) ou apoios a FUNDO PERDIDO, NÃO deveriam financiar artistas ou obras de arte (em qualquer modalidade). 

E a explicação é simples e fácil de entender. Isso enfraquece e desmotiva o surgimento de um mercado industrial e comercial de produção. Não estimula o surgimento da figura do Mecenas (pessoa ou grupo que financia arte por amor a ela sem se preocupar com retorno financeiro). Se perdem nos séculos da história da humanidade os exemplos de grandes mecenas. Figuras poderosas que abrigaram artistas, protegeram de perseguições e lhes forneceram os meios de subsistência pessoal e meios para compra de materiais e pagamento de equipes de assistentes.

O retorno, para o mecenas, era gravar seu nome, junto com o do artista e a obra criada, para reconhecimento futuro através dos séculos. O mecenato, embora em alguns casos exercidos com objetivos econômicos, visava a produção da arte em si. E muitas vezes era exercido como forma de desafio a valores estabelecidos, com os quais não concordava o patrocinador, que usava o apoio a determinado artista disruptivo para atingir e chacoalhar a sociedade conservadora.

O mecenas (antes do capitalismo) não usava a desculpa de estar gastando somas absurdas de recursos com determinado sonho artístico dele ou do autor, para deixar de pagar impostos ao fisco. Do lado do artista, para muitos, não havia o desejo ou mesmo possibilidade de enriquecer à custa de sua arte. Como deve ser a arte e o artista. como bem disse o Sidney Resende em um trecho desse vídeo, o que acontece hoje é o interesse de um grupo em pagar menos impostos, muitas vezes lavando dinheiro em gastos superfaturados, e de outro, artistas que querem lucrar alto e de maneira mais fácil e rápida com a arte que produzem.

Para usar um exemplo bem clássico e conhecido cito Van Gogh. Theo, seu irmão, passou a vida toda enviando somas de dinheiro ao artista para que o mesmo não morresse à míngua e para que o pintor comprasse tintas e telas. Não lucrou nada com isso até que finalmente, depois do irmão morto, viesse o reconhecimento do valor de sua arte pela "academia" e a consequente hipervalorizarão de seus quadros. O próprio  Van Gogh morreu pobre e na miséria e obscuridade em que sempre viveu, se suicidando quando não deu mais conta de sua própria insatisfação com a vida e o sistema onde vivia.

E a arte dele se tornou grandiosa, porque sempre foi o que deveria ser: "Ars gratia artis" ou 'a arte pela própria arte". E esse tema já é também, nos dias de hoje, objeto de muita polêmica. Aliás hoje e no passado. O "sistema" impiedoso como sempre, critica, usa e se beneficia dessa polêmica. Artistas que fazem "um tal sucesso" ganhando muito dinheiro com seu trabalho, quando ainda vivos, geralmente são alvos de críticas ferozes pelo "stabilishment", que costuma ser mais brando ou mesmo simpático aos que morrem na pobreza apesar de sua genialidade.

Em minha opinião, se a tal exposição do Santander estivesse exposta em uma galeria ou museu privado (que funcionasse sem dinheiro público) e tivesse sido financiada por um mecenas a título de findos perdidos, ela estaria lá, aberta ao público e cumprindo seu papel disruptivo. A indignação popular, fora os casos de pessoas que se ofenderam por terem visto valores morais delas atacados - e convenhamos, isso também é um direito delas em uma democracia - foi a indignação de grupos ou cidadão que não se conformam de ver milhões de reais obtidos com isenção de pagamentos de impostos para financiar algo que deveria ter sido custeado por mecenas.


Não sei quanto foi o custo total da tal exposição. Mas os milhões de reais que deixaram de entrar nos cofres públicos desse país com a economia e os serviços públicos em frangalhos, talvez financiassem a reforma de várias escolas ou hospitais, onde o que menos precisam alunos carentes e pacientes graves é serem tratados como resto, para que alguns outros, em situação financeira melhor e fora de situação de risco pudessem apreciar obras no mínimo discutíveis do ponto de vista da qualidade estética ou do valor como arte. Mas como eu disse no princípio, não quero entrar nesse tipo de debate. Guardo para meu foro privado, minha opinião a respeito de algumas delas.

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