terça-feira, 26 de setembro de 2017

Desigualdades, obscenidades, elites e super elites...

Indígena tenta impedir reintegração de posse no AM. Foto vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos. Luiz Gonzaga Alves de Vasconcelos/ Jornal A Crítica (2008).

Artigo lúcido do Sakamoto em seu blog. Mas chamo à atenção uma frase: "As recomendações do relatório para reduzir esse quadro sinistro passam por uma Reforma Tributária com justiça social ..."

Justiça social é algo muito além de reformar apenas a política tributária. Porque cobrar mais de quem ganha mais e isentar quem ganha menos é justo, mas insere no problema da desigualdade a noção de duas justiças sociais. Na verdade temos várias "justiças sociais" no Brasil. Que alimenta séculos de desigualdade.Como o autor fala mais adiante, o necessário seria necessário "que houvessem botes salva-vidas para todos". Isso é justiça social.

Nos países onde os cidadão forçaram os governantes e a elite a implantar medidas de igualdade e justiça social, além de se cortarem privilégios, cuidaram para que houvesse botes salva-vidas para todos. E não estou falando de suficientes  "botes para primeira classe" e para as demais classes. Mas apenas um tipo de bote.Para conseguirem isso, tiveram que limitar o lucro das empresas, taxar os mais ricos e aplicar medidas de arrocho por um tempo determinado.

A premissa mais básica nesses países foi a valorização do trabalho como mecanismo de segurança à uma existência decente. E a extirpação da idéia que alguns tipos de trabalhos e profissões pudessem ser detentores de maior valor para a sociedade. Assim, nesses países, a sociedade entendeu que o salário do lixeiro não poderia ser menor que o do médico em função da natureza ou grau de instrução necessário para o exercício dessas atividades. Hoje nos países com mais igualdade, o salário de um médico não é mais que o dobro do do coletor de lixo. Se chegar a tanto.

A sociedade entendeu que o benefício coletivo gerado pelas duas atividades é necessário e fundamental para o bom funcionamento e o bem estar de todos. Isso é justiça social.
E mesmo assim, apesar da pouca disparidade entre salários de profissões mais especializadas e as que requerem menos formação, o médico vai pagar mais imposto que o lixeiro. No fim a renda mensal dos dois quase se equivalerá.

Mas aí vem a diferença fundamental em relação a países onde não há esse tipo de igualdade: tanto o médico que ganha um pouco mais que o coletor de lixo e paga mais imposto, quanto o lixeiro, que paga menos imposto, usam o mesmo sistema de saúde, os filhos frequentam as mesmas escolas, os bairros onde moram tem o mesmo nível de segurança e prestação de serviços básicos. Dessa forma, quando ambos necessitam de auxílio financeiro em virtude de mudanças no padrão de vida, como nascimento de mais um filho, doença incapacitante, desemprego, entrada dos filhos no ensino superior gratuito ou pago, os dois terão os mesmos benefícios em qualidade e valores. Esse é o "bote salva-vidas" único de uma justiça social universalizada.

Se não há qualidade dos serviços e auxílios sociais para todos, não adianta taxar o salário do médico que ganha R$ 20 mil em 50% e isentar o salário do lixeiro que ganha R$ 2 mil achando que isso por si só vai resolver a desigualdade. O lixeiro vai continuar não ganhando o suficiente para uma vida digna, não vai ter escola e assistência de saúde de qualidade e vai continuar vivendo em locais sem esses serviços básicos e sofrendo violência e discriminação.

Por outro lado o médico, mesmo com a mordida de 50%, vai ainda receber cinco vezes mais que o lixeiro, vai se apertar, como tem feito a classe média no Brasil, mas vai ainda dar um jeito de tentar viver de forma "diferenciada", colocando o filho em uma escola particular mais barata, pagando um plano de saúde mais em conta e mudando para um apartamento menor mas mesmo assim, em uma área "mais diferenciada" da cidade e portanto com mais segurança e oferta de serviços básicos.

No fim. os dois continuarão no Titanic prestes a naufragar. O médico pagando por seu "bote salva-vidas" diferenciado. E o lixeiro dividindo poucos e insuficientes botes furados para permitir que todos se salvem. Os dois vivem em "sistemas de justiça social" diferenciados. O médico acha que é prejudicado por pagar impostos mais altos - mas mesmo assim menores do que pagaria em um país com igualdade social - e não ter o retorno desses impostos. E se revoltando, mesmo que não se mova para mudar isso, com os mais ricos que se beneficiam de isenções do sistema tributário.

O lixeiro sente na carne a precariedade dos serviços que lhe são oferecidos, mas ao mesmo tempo se ilude e se contenta com as "bolsas isso e aquilo" que tem finalidade eleitoreira e serve para os manter calados e obedientes ao sistema. E ao mesmo tempo se enfurecem com os "privilégios" do médico, já que provavelmente por sua condição de exclusão, falta de instrução adequada e acesso a leitura, nem se dê conta que existam ainda, acima do "doutor" pessoas com uma riqueza que ele não consegue sequer imaginar. No imaginário dele, rico é o ator da novela da televisão, é o cantor popular de sucesso, é o traficante dono da boca de drogas da comunidade em que vive. Ele sequer suspeita que essas pessoas não são e não tem nem de longe a riqueza dos desconhecidos bilionários que mantém o sistema que os oprime. 

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